Tempo Real

Refletir os impactos das novas tecnologias sobre o jornalismo é tarefa que se torna a cada dia mais premente. O fazer jornalístico passa por uma metamorfose radical devido ao emprego de novas técnicas que trouxeram mudanças significativas na maneira de confeccionar os jornais impressos. Este artigo surge num contexto em que ainda são poucos os estudos a respeito da forma como a Internet atua sobre e a partir das notícias divulgadas em tempo real pelas agências noticiosas. Isso acarreta para esta pesquisa dificuldades suplementares, que, contudo, são características desse novo, mas fascinante, campo de estudo das novas tecnologias digitais.

Antes de qualquer outra coisa, é necessário compreender como o serviço noticioso desse novo meio é constituído e como pauta os outros veículos. Para isso, o presente artigo se apoia em uma pesquisa sobre a veiculação de algumas notícias nos principais meios de comunicação, objetivando mostrar que a informação vai, muitas vezes, se distanciando da primeira forma, divulgada em tempo real, para adquirir outras e variadas estruturas, em virtude de uma apuração mais consistente ou, até mesmo, pelo encaminhamento que o veículo que a divulga quer dar. Assim, o receptor recebe várias informações que se afastam, em diferentes graus, do ideal jornalístico de fidelidade aos fatos.

Na instantaneidade da notícia também não é tão nova como prenunciaram os amantes do noticiário online, e sua busca virtual pode remontar ‘as origens das notícias na sua forma falada e televisada. No mundo virtual, no entanto, esse caráter instantâneo foi remodelado. Dos objetivos em relação à notícia nos jornais, e na Internet, Pierre Lévy, um dos intelectuais da cibercultura afirma:

O jornal ou revista, refugos da impressão bem como a biblioteca moderna, são particularmente bem adaptados a uma atitude de atenção flutuante, ou de interesse potencial em relação à informação. Não se trata de caçar ou de perseguir uma informação particular, mas de recolher aqui e ali, sem ter uma ideia preconcebida. (Lévy, 2001: 35)

A velocidade não se relaciona só ao mundo virtual. As metamorfoses da notícia estão presentes já no modo como esta é produzida e recebida pelo público. Essa atenção flutuante, porém, é potencializada ao extremo no universo online. A chamada “atenção flutuante” para com a informação realmente radicalizou-se com o impacto das tecnologias digitais.

Várias dúvidas e questões sobre o caminho da informação na mídia digital, bem como o impacto das novas tecnologias sobre o jornalismo, têm sido levantadas em congressos, mas ao pensar no título que esse trabalho apresenta pode-se imaginar que essas mudanças não cessarão tão cedo. Sendo assim, um recorte que aproxime de uma reflexão teórica o fazer jornalístico e muitas de suas nuances nos dias de hoje, pode ser a saída para a compreensão de uma série de temas que definem o objeto dessa análise.

A fragmentação das informações, denunciada por muitos teóricos como característica da cultura midiática contemporânea, relaciona-se com o problema do imediatismo.        O advento das mídias eletrônicas precipitou essa mutação temporal em um cenário onde, até então, o jornalismo impresso reinava absoluto. Se o século XIX foi livresco e guiado pela palavra escrita, o mundo contemporâneo passeia pelas mídias da velocidade máxima, redimensionando a produção de notícias, os reflexos no imaginário e atestando algumas ideias de Marshall McLuhan sobre os meios de comunicação como extensões do homem. McLuhan preconizava no seu livro O meio é a mensagem, em termos de linguagem e consciência, a extensão digital do homem.

Nossa nova tecnologia elétrica que projeta sentidos e nervos num amplexo global tem grandes implicações em relação ao futuro da linguagem. A tecnologia elétrica necessita tão pouco de palavras como o computador digital necessita de números. A eletricidade indica o caminho para a extensão do próprio processo de consciência (…) Em suma, o computador, pela tecnologia, anuncia o advento de uma condição pentecostal de compreensão e unidade universais. ( McLuhan, 1971: 98)

A rede mundial de computadores pode ser tida como expoente máximo dessa metamorfose. E como já foi aqui ressaltado, essa mudança incide tanto na emissão quanto na recepção. Talvez nesse momento a ideia de consciência estendida proposta por McLuhan possa ser pensada. A noção de que não se pode mais falar em um receptor passivo pode ter na Internet sua confirmação, devendo-se notar que o caráter condicional de sentença anterior evidencia ainda muitas dúvidas a respeito dessa capacidade ativa virtual. É inegável que termos como interatividade e rede soam de forma positiva, mas, mesmo nesse caso é preciso lembrar que o veículo jornalístico, seja ele qual for, pressupõe ou mesmo, como crêem alguns teóricos mais apocalípticos, um processo de monitoramento da recepção da notícia. Para a metamorfose da notícia o olhar de quem observa o fato é determinante; diante do fato, a tentativa de monitorar é, sem dúvida, uma boa imagem de como se processam as notícias em tempo real.

É na reflexão sobre o silêncio que a metamorfose na notícia encontra uma de suas principais questões. Se o excesso de velocidade pode conduzir ao vazio, à perda da informação ou ao “silêncio” de Eco, fica claro que um problema fundamental para nós será a análise desse imperativo “dromocrático” (para usar o termo de Virilio) e suas consequências na estrutura do jornalismo online. Para Virilio, ( 1996) a dromocracia, do grego dromos = corrida, marcha, é a necessidade de uma existência marcada pela velocidade e mutação constante, é uma característica da cultura contemporânea. O jornalismo que pode ser calado devido aos excessos provenientes da própria atividade passa por uma metamorfose devido à nova técnica que o dirige.

No mundo da velocidade/virtualidade as informações de rápida e fácil assimilação não atingem somente o discurso, mas a própria tentativa de informar com isenção aqueles que possuem ou não, acesso à rede mundial de computadores. Se mencionamos os “excluídos digitais” é porque, inclusive, aqueles que não estão conectados ao ciberespaço e não compartilham a cibercultura, são, de algum modo, afetados por esse novo sistema informacional. Tal fato colabora para alguns exageros dos defensores da virtualidade como mecanismo de combate a algumas mazelas sociais (como, por exemplo, Pierre Lévy). Não se deve, no entanto,  reduzir a questão, somente  nos mesmos termos que a cultura de massa foi pensada por Umberto Eco em sua obra Apocalípticos e Integrados, apesar de nos utilizarmos de diversos dos seus conceitos. Os meios de comunicação dirigem-se a um público incônscio de si mesmo como grupo social. Contudo, há no pensamento estruturalista de Eco, uma abordagem essencial da visão dos mass media submetidos à lei da oferta e da procura, dando ao público o que segue as leis de uma economia baseada no consumo e sustentada pela ação persuasiva da publicidade, ao sugerir ao público o que ele deve desejar. ( Eco, 1970: 40)

Segundo Eco, o público não pode manifestar exigências nos confrontos com a cultura de massa, tem que conviver com as propostas vindas da mídia, uma vez que os mass media tendem a secundar o gosto existente sem promover renovações de sensibilidade. Os mass media tendem a provocar emoções vivas e não mediatas. Eles não simbolizam a ação, apenas provocam-na. Típico neste sentido, é o papel da imaginação em relação ao conceito.

As notícias são mescladas, sem nenhum nivelamento e também, encorajam uma visão passiva e acrítica do mundo.  Os mass media encorajam uma imensa informação sobre o presente, reduzindo aos limites de uma crônica atual sobre o presente até as eventuais exumações do passado, entorpecendo a consciência.

Por outro lado, os mass media tendem a impor símbolos e mitos pela fácil universalidade, criando tipos prontamente reconhecíveis e reduzindo ao mínimo a individualidade e o caráter concreto não só de nossas experiências como de nossas imagens, através das quais devemos realizar experiências.

Todos os jornais e outros mass media desenvolvem sempre uma ação conservadora. A metamorfose da notícia favorece projeções e modelos oficiais, uma vez que se adapta ao discurso oficial, ainda que este não seja verdadeiro, ou melhor responda a um discurso supostamente  verdadeiro.

Como controle de massas, a notícia desenvolve uma função ideológica  Mascaram, contudo, esta função ideológica ao manifestarem-se sob o aspecto positivo da cultura de uma sociedade do bem-estar onde todos hipoteticamente têm as mesmas ocasiões da cultura, em condições de igualdade, o que constitui uma falácia. Os mass media propõem vários elementos de informação, nos quais não se distingue o dado válido discriminação, mas daquele de pura curiosidade. Enfim, os mass media, e, entre estes, o jornal, oferecem um acervo de informação e dados sobre o universo sem sugerir critérios de sempre procurando emocionar e sensibilizar, como em um espetáculo, o homem contemporâneo.

Imagem de capa: Sergey Nivens/shutterstock







Fernanda Luiza Kruse Villas Bôas nasceu em Recife, Pernambuco, no Brasil. Aos cinco anos veio morar no Rio de Janeiro com sua família, partindo para Washington D.C com a família por quatro anos durante sua adolescência. Lá terminou o ensino médio e cursou um ano na Georgetown University. Fernanda tem uma rica vida acadêmica. Professora de Inglês, Português e Literaturas, pela UFRJ, Mestre em Literatura King´s College, University of London. É Mestre em Comunicação pela UFRJ e Psicóloga pela Faculdade de Psicologia na Universidade Santa Úrsula, com especialidade. Em Carl Gustav Jung em 1998. É escritora e psicóloga junguiana e com esta escolha tornou-se uma amante profunda da arte literária e da alma, psique humana. Fernanda Villas Bôas tem vários livros publicados, tais como: No Limiar da Liberdade; Luz Própria; Análise Poética do Discurso de Orfeu; Agora eu era o Herói – Estudo dos Arquétipos junguianos no discurso simbólico de Chico Buarque e A Fração Inatingivel; é um fantasma de sua própria pessoa, buscando sempre suprir o desejo de ser presente diante do sofrimento humano e às almas que a procuram. A literatura e a psicologia analítica, caminham juntas. Preenchendo os espaços abertos da ficção, Fernanda faz o caminho da mente universal e daí reconstrói o caminho de volta, servindo e desenvolvendo à sociedade o reflexo de suas próprias projeções.