Por Marcela Alice Bianco e Lilian Marin Zucchelli
Criamos os filhos para o mundo! Em algum momento eles precisarão regressar para cuidar de nós. Esta foi a mensagem que o lindo curta-metragem de animação ” The lighthouse”, de Po Chou Chi nos inspirou.
Utilizando-se da metáfora da embarcação, o autor nos convida a refletir sobre a forma como nossos pais nos apresentam seu mundo, nos ensinam as coisas da vida a partir de seu próprio repertório e, em algum momento, nos presenteiam com a possibilidade de fazermos nossas próprias descobertas e explorações.
No nível psicológico, podemos pensar na importância da função paterna para a estruturação da consciência e de como as vivências com o pai real e com o pai introjetado ganham destaque na vida do menino e no seu processo de individuação.
Vejam:
O barco ganha aqui o simbolismo da própria travessia nas águas da vida, na qual desenvolvemos nosso conhecimento de tudo o que nos cerca e de nós mesmos, a partir da ampliação de consciência que as novas aventuras nos proporcionam.
O menino ganha o barco do seu pai. Este é pequeno e comporta apenas um passageiro, fazendo com que o filho precise seguir sozinho para sua jornada. O pai consciente desta necessidade, encoraja o rebento e se felicita com sua conquista. Sabe que, para que a criança cresça, ela precisa se afastar do mundo do pai e fazer suas próprias descobertas. E, para isto, precisa do seu incentivo e confiança.
Oferecer o barco ao filho também nos remete à estrutura que os pais ofertam aos filhos para que possam lançar-se às aguas da vida de maneira segura e protegida! Aqui podemos refletir na sobre a função paterna, que estrutura o filho para que possa ser forte e seguro para seguir seu caminho de desenvolvimento. É preciso ser presente, atuante, protetor e responsivo. Oferecer a prole um conjunto de valores e estímulos apropriados ao desenvolvimento das habilidades e capacidade humanas. Auxiliar na construção de bases sólidas de confiança e segurança que facilitarão o enfretamento das dificuldades que a existência impõe. Não só uma criança, mas toda uma família ou mesmo a sociedade sofre as consequências destrutivas da ausência ou ineficiência da função paterna.
Mas, no caso do curta-metragem essa função vai sendo construída com zelo e afeto. E então o filho cresce e, a cada ponto, uma nova embarcação é necessária, maior e mais complexa, com recursos próprios da sua fase de desenvolvimento. E quando surge o chamado do herói, o menino, agora jovem, se sente impelido a cumprir seu destino. Segue sua trajetória. Confiante, lança-se a sua própria jornada individual! Seu caminho em busca de si mesmo. Rumo a sua jornada de conquistas e derrotas que fazem parte da construção da sua história.
O ritual da despedida é sempre marcado por fortes emoções. Quem vai experimenta a ânsia do porvir, e o sentimento de estar deixando algo importante para trás. Quem fica precisa aprender a viver com a ausência e se abrir para novas possibilidades no mundo em que permanece. Exercício que percebemos constantemente no momento em que os filhos saem de casa e os pais experimentam o “ninho vazio”.
Neste momento relembramos um conto de Rubem Alves, chamado “Vossos filhos são pássaros”, em que ele fala da necessidade de que entendermos que realmente não fomos feitos para ficarmos presos no ninho. Assim como nós, nossos filhos foram feitos para voar e com isso, seguir a diante, construindo seus próprios ninhos.
Na imagem oferecida pelo autor, podemos perceber que são muitas as embarcações que deixam as ilhotas. Assim, ele sutilmente frisa que este é um momento comum e que faz parte da natureza humana, compartilhado pela coletividade.
E, neste aspecto, podemos também pensar que, são muitos os migrantes que escolhem ou precisam realmente atravessar mares e montanhas para seguir sua própria caminhada de individuação, ou seja a realização do seu potencial humano.
A casa do pai funciona como uma ponte com o passado, em que ele pode se apoiar através das cartas, que simbolizam aqui a comunicação e a troca de sentimentos e ideias. O farol simboliza o ponto de referência que permanece aceso e que orienta o retorno quando este se fizer necessário ou for desejado. O Porto seguro para onde se retorna sempre que se faz necessário. Onde existe o amor, o aconchego e a possibilidade de se reabastecer de coragem para o próximo passo.
O tempo passa, e com ele, a finitude da vida é representada pelo inverno rigoroso e pelo envelhecimento do pai. A cena invoca a necessidade do retorno. O filho regressa em uma enorme embarcação, representando a experiência conquistada em sua jornada. Preocupado ao ver que as cartas se acumularam na caixa de correspondência, ele corre em busca do pai. Ali se reencontra e se reconcilia com sua história. Encontra na expressão do pai a mais pura expressão do afeto resignado. A troca dos papéis se faz presente. De cuidado, o menino agora homem, precisa se tornar cuidador. Pai de seu pai…filho de seu filho. Momento precioso onde a vida encena sua próxima lição. Pai e filho tocam a última melodia. As águas aparecem congeladas!
As cerejeiras que acompanham todo o enredo representam o amor, a beleza e a renovação da vida, mas também sua fragilidade e efemeridade. Por este motivo, simboliza, juntamente com as mudanças de estação do ano, os processos de nascimento, morte e renascimento, parte essencial em todo nosso ciclo vital.
Ocorrido o tempo do luto, a nova estação se faz presente. Um ciclo se fecha e outro se inicia. Morte e nascimento. É possível florescer novamente. O filho torna-se pai e o elemento feminino, antes ausente agora se manifesta. Ponto muito comum em diversos contos de fadas em que, com o falecimento do velho rei, o príncipe sobe ao trono após encontrar sua princesa. Elemento que conduz à referência da completude e da integração dos opostos, necessários a uma visão mais integrativa da vida. É chegada a hora do filho vivenciar o outro lado da história e aprender que na travessia da vida somos todos cuidados e cuidadores!
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