O que é que você responderia a uma pergunta vaga e capciosa como: O que você tem?
“Ahhhhhhh eu tenho dor de cabeça!”
“Como assim? Tipo… Agora? Agora tenho vontade de comer aquele bolo de fubá da sua mãe, sabe?”
“Oras o que é que eu tenho? Tenho nada!”
“Sei lá… tô meio confusa! Será que eu sou normal?”
“Puxa vida… você percebeu? Acho que é TPM!”
“Tenho uma tristeza persistente. Parece que é depressão!”
Já reparou no tanto de coisas que a gente “tem”? E em 99% dos casos “temos” coisas que não prestam; pesos que ficamos carregando no colo. Ou apegos que nos escravizam e nos impedem de sermos generosos, feito aquelas roupas que estão há mais de um ano no armário, que a gente não usa, mas também não dá.
“Temos” uma infinidade de queixas de estimação. Deveríamos, inclusive, dar um nome a elas, comprar logo uma coleira, um pote de água, uma caixa de areia e uma caminha. Comida não precisa, não! Essas bichinhas já estão super bem alimentadas com a nossa idolatria a elas e a nossa auto comiseração.
Diante dessa perguntinha danada: “O que é que você tem?” – afinal -, quem lembraria de dizer que tem uma orquídea na varanda que passou a semana inteira desabrochando? Quem se manifestaria sobre ter descoberto ainda ontem o prazer de dançar? Quem se disporia a revelar que tem tido uns sonhos estranhos e lindos, daqueles que nos fazem acordar cheias de vontade de amar? Quem teria a ideia de dizer que tem uma vida cheia de novas possibilidades, mesmo depois de ter sofrido uma grande queda… ou mesmo, quem sabe, graças a ela. Quem diria que tem uma caixinha de música, daquelas com uma bailarina que rodopia dentro?
Talvez então essa crença paralisante de teimar em ter, não tenha lá muita coisa a ver com as perdas. Porque afinal de contas, nossas “posses” contabilizadas ficariam muito melhor se fossem perdidas.
A posse de qualquer coisa é uma ilusão. É como tentar conter uma bolha de sabão num pote de vidro com tampa. A beleza da bolha de sabão é perder-se no ar, transmutar-se em cores incertas e difusas, estourar para que tenhamos imediatamente a necessidade urgente de soprar uma outra.
As coisas que supostamente temos, e que muitas vezes foram conquistadas com grande esforço, são finitas, perecíveis… quebram, terminam, deixam de funcionar.
Nossos maiores bens não são possuíveis! Os amores vêm e vão. Os filhos criam asas e vão descobrir suas próprias aspirações individuais. Os amigos transitam. Os pais, dentro de uma ordem natural da vida, hão de partir antes de nós. Nossos animaizinhos tão amados, já foram projetados assim com essa alma breve para permanecer por pouco tempo nesse planeta.
O que temos de fato, no fim das coisas é que perseguir com toda a obstinação um jeito de viver com mais leveza. Temos de aprender a amar sem possuir. Temos de aprender a voar sem pista certa de pouso. Temos de aprender a buscar essa tal felicidade em momentos inteiros junto daqueles que nos tocam a alma. Temos de ter fogo aqui dentro, para que as inevitáveis perdas não sejam capazes de nos apagar.
Imagem de capa meramente ilustrativa: Cena do filme “Uma vida em sete dias”
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