Por Tatiana Nicz
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O filme “As vantagens de ser invisível”*conta a história de um adolescente que sofre ao sentir-se invisível e de seu anseio por inclusão. Muitas passagens no filme me tocam, mas a mensagem mais importante para mim é que ele só se sente incluído após uma árdua jornada de conhecer a dor, ficar de cara com a loucura e entrar em contato com seus maiores traumas e finalmente conhecer o amor, por si mesmo e pelos outros.
É um filme leve, mas que contém muito conteúdo de vida. Certa vez o Lama Padma Santen disse que não é com os que sofrem que ele se preocupa, pois os que sofrem de depressão ou qualquer “distúrbio” mental são agonizantes e isso significa que eles estão enxergando o mundo como ele está e sendo profundamente tocados por isso. Nesse contexto só não sofre hoje quem é incapaz de sentir empatia e esses sim deveriam nos preocupar, então precisamos olhar com mais carinho para os agonizantes.
Assim como Charlie, o protagonista do filme que fica cara a cara com seus traumas e medos, eu também já enfrentei o pior de mim. E hoje olhando com mais carinho para esse período da minha vida, entendo que, também como no filme, a maioria de nossos grandes erros nasce dessa vontade que temos de amar e ser amados, de nos sentir incluídos. E a nossa capacidade de amar é o que torna a vida tão especial. Sendo assim, nossos erros nascem do melhor que temos. Quando me dei conta disso aprendi a me perdoar, minha intenção não era ruim, mas eu apenas estava buscando amor em fontes e de maneiras equivocadas.
Eu, assim como muitos, perdi anos de minha vida nessa busca, achando que me amava muito, que já havia passado essa etapa, no entanto vivia de pequenas doses de amor, me alimentando de fragmentos, tentando encontrar no outro algo que eu deveria buscar em mim mesma. E não existe outro caminho, não importa que seja clichê ou que a gente saiba de tudo isso, o processo é esse mesmo, cair e levantar diversas vezes, pois o acerto assim como o caminho em si, só se fazem ao errar ou caminhar.
É deveras básico o fato de que só sabe amar o outro quem aprende a amar a si mesmo, todavia ainda assim insistimos em seguir atalhos ou em fazer o caminho inverso. O maior “problema” com o amor é que ele não se alimenta de migalhas, embora muita gente insista nesse erro. Portanto, se não aprendermos a nos acolher por completo, nossas esquinas mais sombrias, nossos erros e nossas dores, nós nunca saberemos o que é amor de fato. Sim, mais fácil falar do que fazer, mas é possível.
Amor próprio é complexo porque não acontece através do olhar e reconhecimento do outro ou da validação de ninguém. É algo que só depende de nós e que não aprendemos em livros, não tem exemplo em lugar algum a ser seguido. E nós não somos muito acostumados a viver sem parâmetro de comparação. Por isso, é árduo, temos que aprender do zero, sozinhos. E o que sei é que amor próprio não tem a ver com todo aquele romantismo que (erroneamente) costumamos associar ao amor. Não tem a ver com arrogância, paternalismo e muito menos com auto-confiança. O amor próprio é silencioso e nele cabem todas as nossas auto-críticas e inseguranças. Amor próprio tem muito mais a ver com acolhimento do que com afeto, porque o afeto vem do outro. E é difícil mesmo fazer do amor um verbo intransitivo. Contudo é imprescindível acolher todas as nossas partes quebradas, aquilo que nos deixa descontentes, tudo que queremos mudar em nós.
Um dia eu resolvi aprender sobre amor próprio. Foi um processo intenso e árduo, que durou minha vida toda até aqui, mas foi libertador. Foi um período de muita mudança. E mudar dá medo. Perdi pai e mãe, mudei de profissão, mudei de empregos, mudei estilo de vida e hábitos, mudei amigos, mudei minhas crenças, mudei de religião, mudei o corte de cabelo, mudei de casa, mudei terapias, mudei tudo isso, mas principalmente mudei de canal e aprendi a sintonizar em mim. Aprendi que meus erros e traumas do passado não me definem. Antes de tudo, aprendi a perdoar meus pais e me senti muito tola por exigir deles o que nem eu sei se um dia poderei dar a um filho. Depois aprendi a me perdoar, assim como eles, eu sei que fiz o melhor que pude com o que me foi dado, mesmo quando meu melhor parecia ser nada ou quase nada. Virei pai e mãe de mim mesma, aprendi a me proteger e que posso (devo) dizer não.
Aprendi sobre a finitude da vida e que sou limitada, muito mais limitada do que imaginava. E precisei também respeitar e acolher essas limitações. Aprendi a olhar para meus defeitos para finalmente entender que tal conceito não existe. Um defeito é apenas uma qualidade esperando para ser lapidada. Então acolhi um por um e aprendi a enxergar o que de bom havia neles, principalmente a escutar o que eles queriam me dizer. Se eu era uma pessoa muito ansiosa é porque um dia eu precisei desenvolver aquilo para sobreviver no meio em que um dia estive inserida. Então foi importante entender e validar isso para então decidir que posso mudar porque agora isso não me serve mais uma vez que, ao contrário de quando eu era criança, o meio agora sou eu que escolho.
Aprendi que sou capaz de mudar o que quiser e me dei autonomia para isso. E a autonomia anda lado a lado com o amor, porque quando nos amamos nos validamos como seres humanos e então descobrimos que o mundo é um grande palco para esse show que é a vida, tudo começa a fazer sentido, os olhos ganham um brilho diferente, nossos pequenos gestos se tornam grandiosos e nos tornamos gigantes. Sim, gigantes pela (em nossa) própria natureza.
No filme Charlie se questiona sobre o amor, ele não consegue entender porque pessoas tão especiais escolhem amores tão fragmentados. A resposta que seu professor de literatura lhe dá é tão certeira e simples, ainda que complexa na prática: “Charlie, nós aceitamos o amor que achamos que merecemos”. E eu acrescentaria também nessa categoria a maneira como aceitamos o amor que temos por nós mesmos.
Imagem de capa: Reprodução
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