Ah, minha mãe. Esse barulho todo me traz você aqui. Penso no seu silêncio no tumulto da nossa casa. Lembro do som da rua quieta enquanto esperava você no portão. Naquele tempo em que esperar por você era minha única angústia da vida.
Aqui, no alvoroço desse negócio de viver tudo e dormir nada, de andar apertando os olhos para ouvir alguém entre tanto ruído, me falta você, minha mãe, chegando com a noite e a lua. Silenciosa em sua meia dúzia de palavras. Segura em suas interjeições.
Pensar em você me joga na cara o quanto precisamos todos de uma noite silenciosa depois do barulho dos dias. Penso em você, minha mãe. Penso em você voltando pra casa à noitinha e sua voz me chega de longe. Vem montada em cheiros e gostos e imagens e lembranças de canções cantaroladas baixinho entre a cozinha e o chuveiro. E um perfume de sabonete e vapor d’água quente me invade a alma, como a voz de alguém que já foi.
A visão antiga de você apontando no topo do viaduto, lá no fim da nossa rua, caminhando cansada no fim da lida, é o que me falta e o que me sobra. Agora é longe, eu não vejo o seu rosto mas sei que é você. Daqui, deste canto distante no tempo e no espaço, deste hoje pequenino que é só a espera de um largo amanhã, faz bem pensar que ontem você sorria ao me saber ali, esperando no silêncio do portão à noite.
Olha, minha mãe, vira e mexe eu penso em você. Em sua crença na gentileza. Em seu jeito de respirar fundo e limpar os pés na grama quando esbarrava na grosseria. Dia desses, encontrei a mãe do meu filho, numa dessas reuniões com advogado, coisa de casamento que acaba. Ela usava uns brincos sérios que eu nunca tinha visto nela, caminhava firme sobre saltos de madeira, e tinha uma dignidade resoluta, comovente e silenciosa. Depois do barulho que acompanha uma separação, as conversas de surdo, o afastamento dolorido e as indiferenças clamorosas, o silêncio dela chegando depois do fim me comoveu.
É a mãe do meu filho, e de um jeito estranho ela é você também. Olhar para ela me deu uma vontade louca de lhe estender as mãos e de ser gentil e perguntar como vai a vida. Calar a gritaria de tanto ressentimento e dizer obrigado. Mas eu não sou você, minha mãe. Não tenho seu gênio manso e generoso. Quem sabe um dia eu chego lá.
Assim, recordando sua gentileza, volto depois da lida barulhenta ao silêncio da sua lembrança. Sigo pela vida e ouço você me dizer baixinho: vai, menino, leva nossa noite silenciosa consigo. Caminha com os olhos na lua, pede a seu anjo da guarda que lhe traga o sol depois da noite. Preza o silêncio que compensa o barulho. Vive o estrondo que segue o remanso. E o resto é o trabalho. O resto é todo o trabalho que isso dá.
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