Após uma curta viagem para Barcelona, encontrei dois amigos, um brasileiro e um belga, para colocarmos o papo em dia. Ao contar do meu primeiro topless sozinha, porque não, uma experiência pessoal antropológica e de autoconhecimento, o brasileiro me disse:
– Você já escreveu um texto sobre isso, né?
Percebi minha timidez persistente, e pensei: já me expus nas areias, ainda vou contar isso em um texto? Até que me dei conta que meu experimento só estaria completo depois que transcrevesse sobre a transcedental experiência. Então aqui vai!
Em pleno verão Europeu, lá estava eu sozinha passeando por Barcelona em um belo domingo caliente. Por volta do meio-dia, após duas horas caminhando, senti que precisava parar. Nas ramblas, avistei uma loja de conveniência e souvenirs e ao ver um biquíni, pensei: boa ideia! vou comprá-lo e é para a praia que vou.
Nunca em minha vida, brasileira e praiana, fui para um dia na praia de forma tão minimalista e espontâneo: um biquíni, um vestido que serviu de canga e um protetor solar. Cheguei às areias barcelonetas já sentindo uma liberdade e desapego nunca vivenciados antes. Ao encontrar um cantinho para eu me estender, me lembrei do fato que em muitos países europeus o topless é liberado e extremamente comum. Eu já tinha feito anteriormente, sempre acompanhada de alguma amiga e em praias relativamente vazias. Observei aquela praia lotada e as mulheres tão livres, tão confortáveis em suas peles e muitas estavam de calcinha ao invés de biquíni. Quanta liberdade! Que desprendimento do “o que os outros vão falar”! Que ausência de medo “dos homens que vão ficar olhando”! Que delícia ter menos marca de biquíni. Nossa! Quero isso! Esta ideia veio feito um relâmpago na minha mente.
Eu que, com muito menos, já estava me sentindo tão livre, percebi que poderia ir um pouco além. Disse para mim mesma:
– Vamos lá, Helena! Você está sozinha! Ninguém te conhece, ninguém está preocupado com você, apenas você mesma. Você será só mais um par de seios despidos nessas areias. E se você se permitir sair da sua zona de conforto, pode ainda ganhar de presente a quebra de padrões e mais auto confiança.
Assim foi! Tirei a parte de cima do biquíni. Passei o protetor solar e me joguei na canga, ops! no vestido e fechei os olhos bem forte. Meu coração palpitava. Eu repetia internamente: respire profundamente e transcenda. Após algumas respirações, meu coração e mente já estavam adaptados ao ambiente e já me sentia mais confortável.
O mantra interno ressoava: “Sou só mais uma, sou só mais uma, sou só mais uma” até que um ambulante com drinks mirabolantes se agacha e me pergunta:
– Mojito, guapa? – Levei um susto! Na hora, eu coloquei minhas mãos no rosto com os braços cobrindo meus seios. – No, no, gracias! respondi com um sorriso tímido e a cara vermelha de vergonha e meu coração… novamente palpitava. A ideia de morrer do coração de topless nas areias de Barcelona me descontraía e me fazia rir da situação.
Lógico que minha mente amedrontada já estava inventando a maior história que o cara se agachou para dar uma olhadinha mais de perto. Quando me dei conta do veneno que eu estava criando gratuitamente, percebi que aquela experiência realmente me traria mais tesouros do que eu imaginava.
Resisti ao máximo que pude para entrar na água. Até que chegou o momento. Eu já tinha observado as espanholas felizes e saltitantes, entrando e saindo da água de topless, livres, confortáveis, e o melhor, aproveitando naturalmente a brisa em seus corpos molhados. Ninguém estava obcecado em observá-las como eu. Eu olhava atentamente cada movimento delas porque eu queria muito realmente encorporar pacificamente dentro de mim este “me expor sem sofrer”. Estar em paz com o meu corpo, com os meus seios, com a natureza e com o público que nem me assistia. Sem tabus. Sem paranoias.
Desde que li que o corpo feminino tem mais de 600 mil (sim! 600.000) pontos sensíveis, descobri que podemos sentir prazer de diversas formas e muito facilmente. Quanto mais nossa pele se expõe, mais suscetíveis ficamos ao prazer ou a dor, porque os nervos do prazer são absolutamente os mesmos da dor. Eu estava decidida a sentir prazer na pele mesmo sofrendo de dores mentais com meus pensamentos corrosivos.
Entrei no mar cinco vezes. Na primeira, adorei nadar com o máximo da minha pele em contato com a água. Mas na hora de sair do mar, bateu a brisa e imediatamente meu general interno gritou: olha para a areia, anda reto e deita-se no vestido de barriga para baixo o mais rápido possível! Ufa! Foi desconcertante, lá estava meu coração palpitando novamente.
Na segunda vez já saí menos rápido, mas ainda olhando para a areia. Aí achei melhor fechar um contrato comigo mesma que só iria embora daquela experiência a hora que eu conseguisse sair sorrindo, em paz e sem vergonha, porque não havia absolutamente nada de errado ou desconcertante a não ser meus próprios pensamentos e tabus interiores. E assim foi! Na quinta vez, saí do mar, bateu a brisa e eu ria sozinha. Até fingi que tinha uma amiga sentada no meu vestido para quem eu acenei com a cabeça.
O mais interessante foi, depois de cinco horas de topless na praia, ao colocar a minha roupa para partir, parecia que eu estava bêbada, mesmo sem ter bebido um mojito do ambulante. O dia na praia com sol naturalmente nos relaxa. Mas além da moleza, eu ria sozinha. Eu estava tão orgulhosa de mim mesma. Tão cheia de mim. Tão feliz que enfrentei os tabus, auto limitações, auto julgamentos, medos, barreiras mentais, paranoias… Quanta bagagem negativa desnecessárias carregamos dentro de nós e que certamente se refletem em diferentes áreas da nossa vida. Porém, só as descobrimos quando nos permitimos sair da nossa zona de conforto emocional.
Precisei de muita coragem para me amar, me aceitar e me divertir com toda minha guerra interna. Nem um único presente da praia poderia imaginar todo o vulcão interno que se passava na “mulher-minimalista” deitada em seu vestido apenas com um protetor solar. Nossa! Eu deveria parecer a mais bem resolvida de todas as mulheres: sem canga ou sacola, necessaires, cremes ou pentes para o cabelo e nem pomada para as tatuagens!
Ao final da minha história, meu amigo belga disse:
– Essa limitação, ausência de respeito, aceitação de seu próprio corpo e falta de intimidade consigo mesma me parece uma coisa cultural ou até mesmo religiosa que muitos brasileiros que conheço carregam. Vocês chegam na Europa e se descobrem, se permitem experimentar seus próprios limites porque aqui “ninguém tá nem aí pra ninguém”. Alguns se perdem, outros se deprimem, mas ainda há os que, como você, se empoderam ao se auto descobrirem como seres livres, belos e fabulosos que são.
Espero que ele esteja certo. Realmente, em pleno século vinte-e-um está mais do que na hora de quebrarmos alguns tabus culturais e sociais que não cabem mais. Devo confessar que nesta experiência toda o que descobri em mim que adorei foi o meu próprio bom-humor. Mesmo com um general-careta-ditator encontrei um santo humor que me fez rir diversas vezes e ver tudo de forma extremamente leve, descontraída e (quase) natural.
E após reler o texto, cá estou eu rindo novamente.
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