crítica social

Trabalhar 4 anos no McDonald’s foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida

Sara Carvalho

Dos 18 aos 22 anos de idade, eu trabalhei no McDonald’s. Inicialmente fui contratada para part-time, e depois, para tempo integral. Porém, durante aqueles quatro anos, eu não deixei de tentar encontrar um emprego de mais prestígio. Durante este tempo, não fui promovida, não me tornei gerente, enfim, não conquistei absolutamente nada.

De forma geral, posso ser considerada a típica funcionária do McDonald´s: preguiçosa, burra, sem iniciativa.

Durante aqueles anos, pude sentir como as pessoas tratam os funcionários do McDonald’s. Lembro-me do sorriso orgulhoso dos meus pais quando eu disse que havia sido contratada por uma empresa. E lembro da rapidez com a qual o sorriso deles desapareceu quando eu disse do que se tratava. E a reação dos meus conhecidos era mais ou menos assim: «Ainda trabalhas no McDonald’s? Ah não, eu nunca poderia trabalhar num lugar assim». Ou as piadas com o meu trabalho: «Só não me digas que não poderás ir porque precisas de trabalhar» (segundo eles, o meu emprego era irrelevante e pouco sério).

Tudo isso influenciava a minha percepção do trabalho. Eu via-o como mau: eu era lenta, desajeitada, sensível, comportava-me como uma vítima da situação. Tinha a certeza de que era boa demais para aquele emprego e dizia a toda a gente: «Sim, este trabalho é uma m*rda. Mas, diabos, eu preciso de dinheiro!». Dava-me conta de que eu, uma estudante que pertencia à elite intelectual, não estava, por natureza, destinada a um trabalho ‘normal’.

Nem ao menos tentei esforçar-me. Não tentei conquistar algo naquele emprego. E, principalmente, nem mesmo eu queria conquistar algo. Para que iria gastar as minhas habilidades em algo que não é digno de mim?

Porém, depois de alguns anos a minha atitude com o trabalho começou a mudar. Comecei a sentir orgulho do meu trabalho.

Perguntei-me: qual a diferença entre o McDonald’s e qualquer outro lugar para começar uma carreira? Porque é o meu trabalho considerado mais miserável que os outros?

Será porque trabalho para uma grande corporação? Não, porque se fosse assim, trabalhar no Starbucks ou no Jumbo também seria considerado vergonhoso.

Ou será porque a empresa não é ética? Mas redes como a Zara também escravizam os seus empregados. Será que é porque trabalho numa rede de fast food? Mas até mesmo trabalhar em redes de fast food tem lá o seu charme.

Será que é porque não é um trabalho intelectual? Não, porque um trabalho com vendas é considerado totalmente decente.

E então eu me dei conta.

O McDonald’s é considerado pela sociedade como um lugar onde trabalham pessoas incapazes de conseguir algo melhor. Percebi que a maioria das outras empresas de mesmo nível não contrata pessoas parecidas com os meus colegas.

Tínhamos funcionárias com capacidades limitadas, com problemas na fala, gente com excesso de peso, pouco atraentes… Todas essas pessoas eram a base da equipe. Eram considerados bons empregados.

No entanto, sempre que via trabalhadores do Starbucks, por exemplo, via gente parecida comigo: estudantes educados, em forma, fisicamente atraentes, que sabiam falar bem.

Estes são os estereótipos. E eu reúno todos os requisitos para um emprego de mais prestígio: numa boa loja de roupas, numa cafetaria famosa. As pessoas de ‘classe’, segundo a tradição, não terminam num McDonald’s ao lado dos fracassados.

Se tu tens 20 anos e moras numa grande cidade, os teus amigos vão rir caso trabalhes no McDonald’s. Porém, não acho que o mesmo se aplica para pessoas com deficiência, ou imigrantes de meia idade, por exemplo. Os teus amigos não se riem deles, não perguntam constantemente: «quando pensas em arranjar um emprego normal?», porque não se espera mais deles.

E sim, comer hambúrguer engorda. Porém, as pessoas próximas a mim tinham pena não porque eu fritava hambúrgueres, mas porque acreditavam que eu tinha mais classe do que o típico empregado deste estabelecimento. Que eu merecia um ‘bom’ trabalho. Que este era o meu direito por ter nascido numa classe mais alta.

Pensei muito sobre isso enquanto fritava batatas e hambúrgueres. Dia após dia. E me dei conta: não sou melhor.

Claro, tenho as minhas habilidades, e até talento para algo especial. Não tenho músculos, percebo que não estou apta para um trabalho braçal. Sempre soube que me iria dedicar a um trabalho mental. No entanto, isso não quer dizer que eu seja mais qualificada ou tenha mais que os meus companheiros.

Existem diferentes tipos de trabalho, e porque é que alguém que vive do dinheiro do pai e pensa igual à mãe, que nunca trabalhou um dia sequer na vida, se acha no direito de dizer qual emprego é bom e qual é mau e inútil?

Sim, eu não me esforço tanto quanto alguns dos meus amigos que trabalham 20 horas por dia para que nenhum cliente fique sem a sua porção de batata frita.

Não sou tão inteligente quanto a nossa gerente formada em Engenharia que aprendeu como construir as nossas instalações de uma forma que nós não precisássemos de lidar com falhas repentinas e ficar à espera que alguém arranjasse.

Não sou tão organizada quanto aqueles que analisam e organizam os componentes para milhares de clientes para a semana inteira, sabendo que, se não obtiverem sucesso, terão problemas mais sérios do que uma simples advertência do chefe.

Não sou suficientemente paciente para ter calma com clientes escandalosos e grosseiros, que podem ofender e gritar com um empregado só porque falta ketchup.

Estas são as verdadeiras aptidões.

Se te consideras melhor do que essas pessoas só porque trabalhas com vendas ou com papéis num escritório, tu tens um problema.

Para mim, os 4 anos que passei no McDonald’s tiveram muito valor. É claro que eu nunca mais quero trabalhar fritando batatas e hambúrgueres, mas entendi ali algo importante. Deixei de ser orgulhosa como era. Deixei de julgar as pessoas pela aparência física, origem ou status social. Tornei-me mais compassiva.

E se tu achas que eu escrevi isto para me justificar por me sentir incomodada com o meu passado, então estás muito errado.

Imagem de capa: Sorbis/shutterstock

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