Portadores de transtornos mentais sofrem de doença psiquiátrica; não são malucos, não são fracos, preguiçosos ou dissimulados. O transtorno mental requer tratamento médico, acompanhamento psicológico e uma rede de apoio estável. Requer, inclusive – e, talvez principalmente -, a adesão do paciente. Se o portador do transtorno não estiver disposto a acatar as orientações dos médicos e terapeutas, não compreender que o uso dos medicamentos – caso sejam prescritos – é inegociável, o manejo da doença torna-se praticamente impossível.
Em inúmeros casos, amigos e familiares dispostos a oferecer apoio e acolhimento, deparam-se com a resistência da pessoa doente em aderir ao tratamento, comparecer às sessões de terapia e tomar os remédios prescritos, conforme as orientações médicas. É preciso compreender que, além da doença, há traços de personalidade inatos, que podem favorecer a administração do transtorno, ou mesmo agravá-lo.
Ocorre que os males mentais trazem junto consigo muitas ideias pré-concebidas e discriminação. Os pacientes muitas vezes temem e até recusam o diagnóstico, por medo de serem rotulados e estigmatizados. Não são raros os casos em que as pessoas afetadas buscam ajuda, começam o tratamento, mas o abandonam. A interrupção terapêutica acaba ocorrendo porque os resultados custam um tempo para serem percebidos, o ajuste nas dosagens de reguladores de humor, ansiolíticos e antidepressivos depende de muita perseverança e podem gerar desconfortos iniciais, relacionados aos efeitos colaterais dos medicamentos indicados. Para agravar o quadro, o paciente não raras vezes sofre discriminação por parte de pessoas que deveriam ajudá-lo a administrar a doença e persistir no tratamento.
Ter um transtorno mental não deveria ser motivo de vergonha ou constrangimento, não é sinal de falha de caráter; é ter de lidar com uma doença complexa, constituída de fatores orgânicos e ambientais. A doença mental pode advir de predisposição genética, traumas na infância, situações extremas de estresse, desgaste físico e emocional; além de alterações ambientais e químicas cerebrais.
Indivíduos acometidos por transtornos de humor, quadros depressivos, ansiedade ou distimia (mau-humor crônico), sofrem alterações comportamentais importantes que provocam queda de desempenho em todas as esferas da vida: não conseguem cumprir com rotinas de trabalho, destroem relacionamentos afetivos, abandonam os estudos e sofrem com a dor de uma autoimagem distorcida e rebaixada. Tudo isso acaba acontecendo porque o transtorno psiquiátrico interfere na capacidade de concentração, na fluidez de raciocínio, nos níveis de energia física e, também, nos recursos de memória. Pesquisas recentes apontam a depressão como a segunda causa mais recorrente de invalidez no mundo.
Infelizmente, uma grande parcela da sociedade ainda pensa que só em casos de doenças mentais muito graves é que se deve recorrer a uma consulta psiquiátrica; quando a realidade é que a Psiquiatria é uma especialidade médica responsável pelo diagnóstico e tratamento de doenças que causam sofrimentos terríveis, e que geram interferências no comportamento, suficientes para arruinar a vida sentimental, laboral e social de um indivíduo.
Ainda há falsas crenças que reforçam a ideia de que depressão e tristeza são a mesma coisa; que transtorno bipolar é coisa de gente que não sabe o que quer, e que ansiedade é sinônimo de imaturidade. Ainda há quem acredite que alguém que teve a coragem de falar em suicídio está querendo chamar a atenção, e que quem quer se matar não avisa.
O fato é que os transtornos psiquiátricos são doenças tão fatais quanto os mais agressivos tipos de câncer. A diferença é que ninguém é julgado por ter câncer. Já o indivíduo depressivo, compulsivo ou ansioso é visto como alguém em quem jamais se poderá confiar.
Viver com transtornos mentais já seria um peso enorme sem essa carga injusta de posturas preconceituosas. Uma vez diagnosticados, os pacientes que forem fiéis aos tratamentos, podem conquistar de volta suas vidas, podem se sair muito bem profissionalmente, podem ter relacionamentos estáveis e reconquistar condições de vivências plenas e felizes.
Os rótulos impostos aos portadores de distúrbios psiquiátricos são, para dizer o mínimo, cruéis. Eles tiram da pessoa a perspectiva de lutar por objetivos e planos para uma vida futura satisfatória. O preconceito é muito mais letal do que a própria doença. O preconceito exclui, marginaliza e afasta o doente das oportunidades de tratamento e cura.
Existem inimigos concretos e terríveis a serem combatidos: a grande maioria da população portadora de doenças mentais não pode contar com atendimento psiquiátrico e psicológico de qualidade; não tem acesso a medicamentos, atendimento ambulatorial ou internação. O SUS (Sistema Único de Saúde), destina apenas 2% de seus recursos à saúde mental.
Resolver essas questões, tão graves, depende de amealhar recursos financeiros, contar com a mobilização da sociedade e com a implementação de políticas públicas eficientes na área da saúde. No entanto, o combate à estigmatização depende apenas da nossa vontade em abrir a mente e entender que o sofrimento psíquico é real e é tratável. Há casos incontáveis de pessoas que lutaram bravamente para vencer os desafios da doença e conquistar condições para retomar suas rotinas sociais, afetivas e de trabalho. E, mesmo assim, sofrem com a intolerância de pessoas que insistem em transformar o doente psiquiátrico em sua própria doença, negando-lhe a chance de seguir adiante. Comecemos, portanto, a curar nossas petrificadas e pré-concebidas certezas. Esse já seria um excelente começo!
Imagem meramente ilustrativa: cena do filme “As Faces de Helen”