por Fernanda Pompeu
A maioria de nós acredita que mudar é bom. Pois faz parte da dinâmica da própria vida. Somos uma sucessão de outros: a senhora é a outra da jovem que é a outra da menina. No entanto, tenho observado que a velocidade das mudanças varia. Sinto que mudamos antes que as pessoas a nossa volta percebam. Tanto que, algumas vezes, tenho que gritar: Mas eu mudei, não sou a mesma Fernanda que você conheceu!
Tenho um amigo que foi designer gráfico por mais de 20 anos. Uma manhã, ele despertou com a decisão de se tornar um iluminador. Queria trocar as formas no papel pelas formas de luz e sombra. Estudou, estagiou, foi ao mercado. Já iluminou algumas peças teatrais. Mas o celular dele continua tocando com gente atrás do diagramador de livros. Outro dia, ele ouviu a seguinte explicação: “É mesmo! Você disse que mudou de ramo. Mas estou tão acostumado com você designer, que é difícil vê-lo como iluminador”.
O que nos cega para o quanto o outro mudou é a mania de carimbarmos as pessoas. Fulano é assim. Sicrana é assado. Fulano é jardineiro. Sicrana é cozinheira. Se eles resolverem trocar de ofício terão que trabalhar dobrado. Primeiro: para conhecer e se adaptar à nova escolha. Segundo: para convencer amigos, familiares, clientes de que mudaram. E que podem ser eficientes, até excelentes, nas recentes atividades.
Mesmo os famosos – cujas vidas são monitoradas e publicitadas – são carimbados. É o caso do Chico Buarque escritor. Quantos, inclusive eu mesma, perguntam: Por que um músico e letrista maravilhoso se meteu a escrever romances? Por que o cara que fez clássicos do cancioneiro se aventura no fechado e maldoso mundo da literatura? Uma vez questionado, ele respondeu: “Porque eu quis mudar”.
Neste feriado prolongado, em que tive tempo para dar tratos à bola, resolvi refletir acerca da mania geral de pôr etiquetas nas pessoas, como se elas fossem fotografias legendadas. E o quanto tal prática é prejudicial a quem está mudando. E o quanto, também, faz a gente perder oportunidades.
Outro domingo fui furar a parede do meu banheiro para pregar um espelho. Desastre. Acertei um cano e a água esguichou como se o Cantareira estivesse com 100% da capacidade. Fechei o registro. Para quem ligar num domingo? Chequei minha agenda e só tinha o número do chaveiro. Telefonei na esperança que ele me desse uma indicação. Daí ouvi: “Eu posso ir. Deixei de ser chaveiro, hoje sou encanador. Aliás já havia avisado, mas a senhora na certa esqueceu”.