Imagem de capa: Memory Stockphoto/shutterstock
“Ooh she may be weary
And them girls they do get weary
Wearing that same old shaggy dress
But when they get weary
[You gotta] try a little tenderness”
Sento solitária no chão frio da sala, a chuva cai la fora, a noite escura assola e reflito em tudo que eu deveria ter sido e não fui, deveria ter sido menos isso, mais aquilo. E perco tempo de vida precioso divagando sobre erros e passado, sobre a necessidade de me transformar em alguém que não sou, nem nunca fui, nem nunca serei.
Enquanto tempo e lágrimas escorrem incansáveis, faço uma pausa, respiro fundo e me acalmo: sou o que sou, o que deu para ser, fui o que tinha que ter sido. E se fui inteira, então fui meu melhor, mesmo que isso não baste aos outros. Além disso, nada que eu fale ou faça agora pode mudar o que já está feito.
Se perco energia pensando em tudo que poderia ter sido diferente, esqueço-me de viver e celebrar tudo aquilo que de fato foi.
E finalmente me dou conta do quanto sofremos, projetamos, fantasiamos enquanto deixamos de ficar com o que se apresenta para nós, com o que é, com o que somos, com tudo que nos trouxe até aqui. Naquele momento eu estava assim. Nem sempre fui meu melhor, mas certamente o melhor que consegui ser com os recursos que tinha.
O passado nos torna escravos, nossas feridas ferem também os outros, nossos medos nos paralisam, o que fomos, o que sofremos, o que sangramos muitas vezes nos impede de enxergar a beleza do novo que se apresenta diante de nós.
Desconfiados exigimos provas e certezas, queremos controle e garantias. Sem notar, perdemos boas oportunidades de felicidade, analisando-as, comparando-as com o que já vivemos, fantasiando com o que queremos que elas sejam. A dor me recorda que nunca tive nem terei controle de nada, que para ser inteira preciso correr o risco de me machucar. E as lágrimas que insistem em cair me trazem esta única certeza e me convidam a estar presente.
Enquanto me condeno pelas escolhas que fiz, que me trouxeram até aqui, a sensação de que muitas vezes a vida segue repetidas vezes em um “loop” infinito, como um disco de vinil riscado, a letra de um antigo clássico me conforta.
Try a little tenderness.
Deixe ir. Viva o presente, com os recursos que você tem agora, abra-se para o novo, entenda que o novo nunca é igual ao que foi. Os erros não se repetem, são diferentes, com vivências diferentes que me trazem novos aprendizados.
Tente.
Com os meus processos na vida, com os processos dos outros. Para todas as falhas que foram e as que ainda estão por vir, só um pouco de ternura.
Tente.
Para os fim das linhas, os atalhos e encruzilhadas. Os caminhos tortos que percorremos. Para o cansaço e lágrimas. Para os novos começos.
Tente.
O caminho só se faz ao caminhar.
Então enxugo as lágrimas, me acalmo e decido tentar, só por hoje, só um pouco, de conforto, de afeto e ternura.
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