Imagem de capa: danm12/shutterstock
Tudo na vida pede medida. Quando falta, faz falta, e quando sobra, o excesso também acusa a falta de medida. Tanto na vida real, como nas relações virtuais.
Se você está na graça, comemorando um evento feliz, comemore com medida. Anuncie a sua felicidade, caso queira, mas lembre-se: o anúncio deve ter data certa para começar e para terminar. Depois, silêncio.
Não há nada mais cansativo do que aquela pessoa que fica insistindo em comunicar a boa sorte e a felicidade que teve há 30 dias.
Uma semana, dez dias, trinta dias, tornam todas as notícias velhas.
Não é porque a notícia é boa que os amigos, os colegas, a família, e as redes sociais precisam ficar ouvindo, vendo, e acompanhando a réplica da história feliz dias e dias consecutivos.
Use um dia, ou no máximo dois, para falar sobre o assunto.
Se for uma viagem, fica liberado o boletim diário e as fotos com eventuais explicações sobre os lugares retratados, até o final da viagem.
Todo mundo gosta de viajar, e ter um amigo fazendo turismo nas pirâmides do Egito é quase tão bacana como se estivéssemos também por lá.
Mas, ao terminar a viagem, considere a pauta encerrada.
Vire a página.
Mude o disco.
No máximo, use as fotos mais bacanas para ilustrar a capa do seu perfil no Facebook e cale-se.
A viagem pode ter encantado a platéia no momento em que você viajava. Dias depois, ninguém mais quer saber dos detalhes que você esqueceu de contar quando era para ter contado.
Não contou?
Deixe para a próxima.
O mesmo vale para a desgraça, embora com um pouco mais de flexibilidade.
Se a vida lhe fez vítima de um momento ruim, ficam liberadas todas as formas de compartilhar a dor, conforme o seu temperamento e a sua necessidade exigirem.
Tem gente que fala, tem gente que cala.
Todos sofrem.
Quase sempre as pessoas falam.
A dor precisa de companhia.
A desgraça também.
Todos os seres que sofrem se nivelam através do sofrimento.
Pobre, rico, branco, europeu, oriental.
Se a humanidade precisa de um parâmetro para se nivelar, esse parâmetro é a dor.
Expor a dor de uma tragédia nos humaniza, e leva consolo aos que sofrem.
Quando assumimos publicamente as nossas dificuldades e as nossas fragilidades, prestamos um grande serviço a nós e à humanidade.
Sou super a favor da exposição.
Todas as vezes que passei por uma grande dor me fez bem faze-lo de forma compartilhada.
Mas isso também pede medida.
Embora todos sejamos tolerantes com aqueles de nós que sofrem, o bom senso nos ensina que os sentimentos, os problemas, as angústias e as dificuldades, não podem ser a única pauta dos nossos encontros, das nossas falas, das nossas interações.
Não para sempre.
Caso contrário, cansamos a periferia.
Se insistirmos demasiadamente nisso, quando as pessoas nos virem, o infortúnio será visto primeiro.
A tristeza chegará na frente.
A miséria humana falará mais alto.
Seremos reconhecidos exclusivamente pela dor e não pela superação da dor.
Na vida real, o nosso círculo de relacionamentos nos evitará por puro cansaço, ou nos suportará por misericórdia.
No ambiente virtual curtirão tudo o que postamos apenas por educação, pena, e boa vontade, e na melhor das hipóteses, comentarão banalidades embaixo dos nossos textos repetitivos.
A experiência ensina que a dor compartilhada tem o seu pico máximo de compreensão e acolhimento nos dias próximos ao acontecimento funesto.
Com o decorrer do tempo a dor dos outros, que nos foi emprestada para consolo, diminui consideravelmente.
A partir daí é conosco e com Deus!
Lógico que não há tempo definido para a duração do luto, mas precisa haver empenho para tira-lo da frente, o tempo todo.
Luto, com o tempo, deve deixar de ser paisagem, para ser pano de fundo.
Até mesmo quando as nossas demandas são de outra ordem, quando por exemplo, por força de circunstâncias levantamos uma bandeira em favor de alguma causa, precisamos ter cuidado: tudo o que é demais é excesso.
Confundir quem você é, com a luta que a vida te impôs, faz você perder a sua identidade.
Perder a sua identidade te faz uma pessoa desbotada, uma sombra do teu ser original.
Nós não somos o infortúnio que nos sobrevem, somos o que éramos antes, acrescidos dele.
Tem que haver soma em todo o processo, não diminuição.
Ninguém pode se fixar o tempo todo na luta, falar o tempo todo da luta, levantar a bandeira da luta em período integral, sem oferecer uma trégua a si mesmo e aos outros, sob o risco de perder as suas características individuais.
Quem era você antes de?
É a pergunta!
O mundo, Deus, os homens, a sociedade, todos os sistemas inter-relacionados, precisam de pessoas inteiras para lidar com o infortúnio, e não pela metade, não alijadas de atributos intelectuais, não bitoladas num único tema, não falando sempre a mesma coisa, sempre do mesmo jeito.
A vida pede movimento. Mesmo a vida de quem sofre pede uma sacudida.
Os que assistem um sofrimento estagnado e sem medida ficam penalizados, mas não podem fazer muito por quem escolheu viver o resto da vida carregando a bandeira da dor.
Só nós podemos fazer muito por nós. Na alegria ou na tristeza.
E o que podemos fazer é pedir a Deus que nos conceda sabedoria para aplicar, em todas as circunstâncias, a boa medida.
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