UBER X TAXI: chamando a responsabilidade

 

“Nos sonhos começa a responsabilidade”. – W.B. Yeats

Nos últimos meses, a disputa entre o serviço de transporte alternativo Uber e o serviço de táxi tradicional vem criando polêmica e gerando uma discussão infinita que envolve questões legais, morais e éticas. De um lado, os taxistas reivindicando a exclusividade de direito sobre o transporte de passageiros e apontando a ilegalidade e deslealdade da concorrência; do outro, a empresa americana alegando que o serviço prestado não é público, de taxi, e sim particular, e que por isso não age ilegalmente.

Se fica claro o cinismo de seu argumento, que se beneficia de uma brecha na lei para se sustentar, é notável também o fato da Uber ter surgido no mercado trazendo não apenas uma alternativa de transporte mas uma ideologia de cultura sustentável e compartilhada que, ainda que com fins capitalistas, tem potencial, de fato, para gerar benefícios coletivos. Sendo assim, se falta moral em sua postura, talvez, sua visão, preserve a ética. Talvez…

A reflexão proposta aqui, contudo, sai dessa macroesfera da lei e da responsabilidade social e se volta para a questão da responsabilidade individual do sujeito que se vê implicado, prejudicado e vítima dessa situação.

Há alguns dias, assistindo pela TV uma das últimas grandes manifestações realizadas pela classe taxista contra a Uber, fiquei me perguntando se, entre aquelas milhares de pessoas, os roncos das buzinas, os gritos de protesto e o caos no trânsito, ninguém parou por um segundo para se perguntar “Afinal, por que viemos parar aqui?”. Provavelmente, não.

Digo “provavelmente, não” porque nosso movimento natural diante das adversidades da vida – o problema no trabalho, no casamento, o investimento que não deu certo – é culpar o outro (o chefe, o parceiro), a sorte, o destino. Como se houvesse algo no mundo, algo exterior a nós, que pudesse definir de maneira absoluta nossa trajetória sem que não tivéssemos a mínima interferência sobre isso. Evitamos nos perguntar sobre a nossa responsabilidade porque é mais confortável nos mantermos no registro da queixa e da reclamação esperando que a mudança de atitude alheia, a mudança dos astros ou da vontade divina, traga a solução dos nossos problemas. Nossa dificuldade é assumir que somos responsáveis por tudo aquilo que nos acontece, até mesmo frente ao acaso e à surpresa.

Pode parecer quase absurda para alguns essa afirmação mas o fato incontestável é que, no momento em que nos perguntamos “O que eu tenho a ver com isso?”, afrouxamos as amarras do “Grande Outro”, e começamos a tomar as rédeas de nossa vida, porque, se há algo de nós em tudo em que nos acontece, não importa o quão adversa, difícil seja a situação, existe algo que podemos fazer para mudar o curso das coisas. Nesse sentido, a responsabilidade liberta. Mas pesa, não é? Pesa…

Voltando à polêmica, é fácil perceber que os que se vêem prejudicados nessa disputa não se questionam sobre os motivos que os levaram a esse lugar, e investem toda sua energia tentando desqualificar e aniquilar (até literalmente!) a concorrência. Aqui, não se trata de tirar a legitimidade de seu protesto, apenas, pensar além disso.

Não é novidade que o serviço de taxi nas capitais deixa a desejar há muito tempo. O taxista passou a ser tão mal visto a ponto de ter sua figura cristalizada em um estereótipo negativo e zombeteiro. E, ainda que o cliente nem sempre tenha razão, não dá para negar que isso aponta para um sintoma grave na base da classe.

Assim, vimos a insatisfação virar demanda, e a Uber se aproveitar dessa brecha e todas as outras para se estabelecer em um mercado antes monopolizado. Porém, a questão ainda vai além.

Os taxistas reivindicam o direito de exclusividade pelo serviço de transporte, mas o fato é que, aquela pessoa que contrata a Uber não quer apenas ir de um ponto a outro da cidade, ela quer isto agregado a uma experiência de qualidade. O serviço Uber tem no modelo executivo o seu padrão. Além de carros novos, considerados de luxo, todos os motoristas são orientados a oferecer bebidas e outras conveniências em seus veículos. São orientados também quanto a sua apresentação pessoal e o tratamento com o passageiro. Ou seja, a Uber traz para o mercado um serviço de transporte agregando a ele um valor, um valor que as pessoas estão desejando e até pagando mais para ter. E contra o desejo é difícil lutar.

A impressão que dá é que a classe taxista, na tentativa de resolver seu drama, está recorrendo a Lei como a criança recorre ao pai, pedindo que ele expulse da casa o amiguinho, mais velho (disputa desleal!), que está vencendo a partida do jogo.

Acredito que além de apontar a falta no outro (de legalidade, de lealdade), a classe precisa também assumir um pouco a responsabilidade pela condição atual adversa que se encontra; deixar de se vitimizar e tentar fazer algo para mudar, se renovar, para resgatar a perda que sente ter sofrido. Caso contrário, ficará paralisada na culpabilidade, esperando a resposta daquele outro que a livrará do problema. E, nesse caso, a resposta do “pai” pode ser não…

No mundo de oceanos vermelhos e azuis dos negócios, dizem seus mestres, “Não concorra com os rivais — torne-os irrelevantes”. Identifique as ameaças e oportunidades que lhe cercam e, acima de tudo, conheça suas forças e fraquezas. Até os administradores concordam que na batalha por um lugar ao sol é preciso olhar para dentro…

Germana Belo

Carioca, Psicóloga de formação, roteirista por vocação, paladina das artes e da Psicanálise. Entre um café e outro escreve sobre os assuntos que lhe ocupam a mente e o coração. Recém-saída da zona de conforto, caminha pela vida buscando inspiração, desejando devolvê-la ao mundo.

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