“Fundamentalmente, um organismo vive em seu ambiente ao manter suas diferenças, e mais importante, ao assimilar o ambiente e suas diferenças; e é na fronteira que os perigos são rejeitados, os obstáculos são superados e as coisas assimiláveis são selecionadas e integradas. Agora, aquilo que é selecionado e assimilado é sempre novo; o organismo persiste ao assimilar o novo, ao mudar, crescer. O que é difuso, sempre igual, ou indiferente não é um objeto de contato.”
Fritz Perls
Dentre as necessidades primordiais do ser humano encontra-se a necessidade de pertencimento. Se fossemos seres solitários provavelmente não teríamos sobrevivido e evoluído enquanto espécie, nós nascemos programados para pertencer, o funcionamento de nosso organismo é feito para tanto. Nós desenvolvemos a comunicação oral, escrita e corporal, sentimos, pensamos, para pertencer. Sem a sensação de pertencimento estaríamos fadados a viver uma vida muito pobre em experiências e crescimento.
É essa sensação de “fazer parte” ocorre através do contato; o contato nos proporciona o entendimento do “eu” e do “não-eu”, o contato que é feito com nós mesmos e com o outro. Essa necessidade vital faz com que todas nossas atitudes, escolhas, crenças, palavras, relações, tenham como denominador comum o intuito de fazer contato, para poder fazer parte.
O contato é o sangue vital para o crescimento, o único meio de mudar a si mesmo e a experiência que se tem do mundo, o que resulta de um encontro saudável com o outro é amor, mudança, evolução, pertencimento. E o mais paradoxal do contato é o fato de que ele não acontece na mesmice, o que acontece na mesmice é confluência, fusão, contato mesmo só existe naquilo que nos é diferente, instigante, intrigante.
Mas, se buscamos sempre o contato, se todos as nossas atitudes existem com o objetivo de pertencer, por que muitas vezes falhamos? Por que vivenciamos tantos conflitos? Por que causamos desconexões?
Uma das razões pode estar na má qualidade de nossa comunicação. Em geral, nos comunicamos muito mal, com nós mesmos e com os outros. Raramente conseguimos comunicar com verdade o que sentimos e necessitamos, mais raramente ainda sabemos acessar nossas necessidades e supri-las de maneira autêntica e saudável.
Outra causa importante de desencontros pode estar no fato de que o contato só acontece na fronteira e essa fronteira, com exceção das fronteiras físicas, nunca é fixa. Ao contrário, ela é fluída, instável, maleável e muito complexa. Mas, se a fronteira não é tão fácil de ser percebida, o que podemos perceber de maneira mais clara é que não existe contato na invasão de sua fronteira. O contato só ocorre na fronteira.
Sendo assim, quando falamos algo que não nos foi perguntado, quando fazemos algo que não nos foi pedido, quando não enxergamos ou respeitamos os nossos limites e os limites do outro, invadimos a fronteira de contato, e essa invasão gera mais desconexão do que conexão.
E como já foi citado antes, o encontro com o outro, com o diferente, é o maior propulsor de nosso crescimento espiritual, das nossas experiências de vida mais essenciais e significativas. Somos seres únicos, irrepetíveis, diferentes e é isso que nos une. Portanto, se queremos fazer contato com o outro de maneira harmoniosa, é fundamental aprendermos a respeitar as fronteiras desse contato, e é muito importante fazer isso sem deixar de respeitar nossa própria essência. Não é saudável perder-se de si para poder pertencer, como já foi citado, tornar-se igual aos outros para poder pertencer não é fazer contato, pois na mesmice não há contato.
Portanto, nesse processo de encontro com outro, é fundamental entender que não fazer contato, ou seja, não pertencer, também faz parte do risco dessa busca por pertencimento e isso é saudável, desde que seja feito também com respeito ao outro, o que muita vezes não acontece. Se queremos evoluir é importante estarmos abertos para o que nos é diferente, mesmo quando não existe conexão. Fritz Perls, o pai da Gestalt-terapia, certa vez disse: “Eu sou eu, você é você. Se por acaso nos encontrarmos, é lindo. Se não, não há o que fazer”.
Sim, um bom encontro é sempre de dois; quando ele ocorre é lindo, quando não ocorre, não há nada a fazer.
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