“O homem traz em si a santidade e o pecado / lutando no seu íntimo / sem que nenhum dos dois prevaleça…” (Bi Ribeirto e Herbert Vianna – O Homem / Álbum Selvagem, 1986)
Já não reparamos no outro, ou melhor, até reparamos, mas quando o olhar resume-se aos julgamentos etéreos dos nossos sentimentos. O ser em busca de soluções, mas completamente indiferente ao sofrimento do próximo. Somos violados por mecanismos que nos preenchem de insensibilidade e avareza. É difícil enxergar quem está abaixo, quem está do lado. Ignoramos os gritos e sussurros sociais. Apenas reagimos quando alguma catástrofe ou ato inimaginável rouba a cena nos telejornais e outros meios de comunicação. Somos produtos enjaulados. Não criamos artes. Não fazemos caridade. E quando digo caridade, esta não quer dizer somente o gesto da doação material, mas discorro sobre a presença física, afetiva. Como dito por uma amiga; – Caridade moral é o que precisamos.
O acinzentado é evidente nas ruas. No lugar dos sorrisos, incontáveis motivos para o desespero e para o ódio. Cadê a poesia? Cadê o movimento do ser na sua busca recorrente à felicidade? Diariamente, o que parece é que mergulhamos cada vez mais nas sombras das nossas próprias escolhas e ambições, substituindo desejos por instantes momentâneos de egos inflados. Conceitos e doutrinas expostas como os mais belos e extravagantes anúncios promocionais. Somos engolidos. A satisfação aqui não reflete o ganho de acolá. Mas há algum ganho?
O perceptível acerca do atual cenário do mundo é o que o próprio não parece mais tão grande assim. Cada qual vive imerso nos seus finitos universos, imaginando ser assim a melhor forma de entrar em contato com a paz interior. Mas nessa resignação ignorante da qual só enxerga quem está de olhos vendados, a verdadeira troca, a mais pulsante caridade do ser para o ser, pode e deve residir na liberdade incondicional da simples benevolência. Os inocentes em instantes de sorrisos sublimes. Faz bem ao coração, sim. Um cafuné moral é o que precisamos.