Eu sou a penúltima filha de oito irmãos, minha infância foi na roça, e minha família era bem pobre, financeiramente falando. Até os 10 anos, eu sonhava ter uma caixa de lápis de cor, mas nunca tive porque era algo considerado supérfluo para as condições financeiras de um pai que tinha que sustentar uma família grande apenas com a força do serviço braçal, sem nenhum tipo de auxílio social.
O tempo passou, eu tive os meus lápis de cores depois de adulta, mas a minha versão menina não tinha tido o seu desejo atendido, nem sei explicar isso direito.
Em 2015 eu iniciei a minha faculdade de psicologia e contei sobre a minha infância para duas amigas de curso. Em 2018, uma delas, a Leila, decidiu me presentear no encerramento do semestre com uma caixa de lápis de cores, ela deixou bem claro que estava presenteando a minha criança do passado. Eu me emocionei demais, chorei horrores, foi algo lindo e terapêutico.
Nesse ano, no primeiro semestre, eu estagiei na clínica de psicologia da faculdade, o atendimento era gratuito e voltado para a comunidade. Dentre os meus quatro pacientes, tinha um garotinho de 12 anos, sem nenhum recurso, tal qual a minha realidade do passado.
Nas sessões terapêuticas com esse garoto, eu levava muitos materiais pedagógicos que eu comprava para esse fim(tintas, cartolinas, peças de montar etc.) Acabei incluindo no kit a minha caixa de lápis de cor que ganhei da minha amiga. Nas sessões, eu e o garotinho nos jogávamos no chão, desenhávamos, pintávamos, recortávamos etc.
Chegou o final do semestre, encerrou o meu período de estágio, e os meus pacientes seriam encaminhados para outros alunos-terapeutas. Chegou o dia de eu me despedir do garoto. O nosso vínculo era muito forte e especial. Eu decidi doar os materiais pedagógicos para ele, mas separei a caixa de lápis de cor porque ela não faria parte das doações.
Do chão, ele levantou o olhar, avistou a caixa de lápis sobre a mesa e me perguntou: “tia, a senhora não vai me dar os lápis de cor? Eu queria muito, eu não tenho nenhum”. Na hora, a minha criança do passado veio à tona e começou a dizer em minha mente: “esses lápis são meus, eu esperei uma vida inteira para ganhá-los, não dê esses lápis a esse menino”. Eu dizia a minha menina: “eu te entendo, mas eu prometo comprar outros para você, o fulaninho não tem como comprar”.
Nesse impasse todo, eu acabei doando os lápis ao meu paciente. Encerrei a sessão, entrei no carro e voltei para casa aos prantos. Ali não era a mulher chorando, era a minha criança que se sentiu desamparada de alguma forma, não sei explicar direito. Eu poderia comprar dezenas de caixas de lápis de cor, mas aquela foi uma amiga que deu àquela menina que fui um dia.
Cheguei em casa, liguei para minha amiga aos prantos e disse a ela o que aconteceu, pedi desculpas a ela por doado o presente tão significativo que recebi dela. Depois eu comprei outra caixa de lápis e canetinhas para mim. Estou bem. Fiz as pazes com minha menina e disse a ela sobre orgulho que senti por ela ter se compadecido do meu paciente.
É isso, a gente precisa dar colo a nossa criança ferida e curar os machucados do coração dela.
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