Uma guerra mundial chamada educar nossos filhos

Educar é muito difícil. Fácil é dizer sempre sim e deixar que se faça tudo que se quer. Um dia uma paciente me disse ao justificar a bronca que levou do endocrinologista do filho: “Eu deixo ele comer o que quiser porque já cansei de explicar. Eu quero paz, sabe?” Sei. Este foi meu pensamento na hora, e então eu disse a ela e lhes repito: educar um filho é difícil, é um risco que poucos querem correr exatamente porque “tira a nossa paz”.

Percebo todos os dias o risco que decidi correr ao ter um filho e passar então a educá-lo. Às vezes, me sinto nadando contra a correnteza, formada por uma série de estímulos externos que me questionam e até me punem por educar e impor limites.

Eu estava numa festa infantil, meu filho e os amigos da classe brincavam em um gira-gira. Um deles empurrava o brinquedo em alta velocidade, correndo e segurando no cano onde os demais também apoiavam as mãos; enquanto os outros, sentados no brinquedo, gritavam felizes pela sensação, jogando a cabeça para trás. Os pais se entreolhavam amedrontados, até porque se um deles caísse, era óbvio que se machucaria. Ninguém tomava atitude alguma, mas falavam entre si: “nossa, que perigo”, ou verbalizavam um “mais devagar”, “cuidado”. Eu, então, decidi agir. . A minha vontade de levar o meu filho para dar pontos na testa era zero, e a de ver outras crianças na mesma situação também. Cheguei perto do brinquedo, falei primeiro com o meu filho e depois com os demais. Disse que a brincadeira estava perigosa e que já bastava. Pedi que parassem e sugeri que fossem para outros brinquedos ou para outras atividades disponíveis. Todas as crianças me olharam feio, claro, eu as frustrei e sabia disso, não esperava nada diferente. Eles fingiram não me ouvir, resistiram e tentaram argumentar. Fiquei firme no comando até que todos descessem do brinquedo. Eis que uma das meninas vem até mim e me diz: “Você não pode me mandar descer. Sabe por quê? Porque você não manda em mim”. Ela, assim como meu filho, tem quatro anos, e era a primeira vez que ela me via na vida. Fiquei pensando se meu filho está agindo assim com pais de colegas em situações semelhantes, e isso me deu medo; mas o pior foi ver alguns pais pegarem seus filhos, oferecer outras brincadeiras, porém deixando no ar um clima evidente de que “a ruim era eu”.

Que medo é esse que temos de educar? O que há de arriscado em impor regras e sustentá-las quando necessário? Nossos filhos não podem sofrer? Não podem ser frustrados? Temos que ser pais idealizados, perfeitos aos olhos de uma criança de quatro anos que nada entende sobre os riscos que corre na vida? Pais com medo da imagem que os filhos possam ter deles? Eu odiei meus pais todas às vezes nas quais eles me impuseram regras e limites; fui frustrada muitas vezes e não me lembro de eles se importarem se eu estava gostando ou não; naquele momento o foco era educar e talvez por isso eu os ame tanto. Lembrem-se do que sempre digo: liberdade demais é interpretada pela criança como falta de afeto.

Eu mando no meu filho sim, e espero que ele obedeça aos professores, aos familiares, aos pais de colegas e aos demais adultos que possam o orientar e o proteger. Eu vou desagrada-lo sempre que for preciso sem medo algum e vou abrir mão da minha “paz” dizendo sempre sim para não ter que ouvir suas argumentações. Terei que ser mais forte do que ele para que ele entenda que não se pode e nem se vai ganhar sempre.

Talvez estejamos preocupados demais com a nossa autoimagem e por isso, deixando de educar, de correr o risco, de agir. Enquanto pais decidem ficar na zona de conforto, desistindo de seus filhos por medo de errar e pela praticidade de terceirizar a educação, crescem as menininhas de quatro anos que, ao discursarem que “ninguém manda nelas”, tornam-se mulheres egocêntricas e intolerantes a qualquer tipo de relação na idade adulta.

Viviane Battistella

Psicóloga, psicoterapeuta, especialista em comportamento humano. Escritora. Apaixonada por gente. Amante da música e da literatura...

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