No final da noite, em uma reunião na casa de uma amiga, lhe pergunto se eu poderia recolher os copos e lavá-los no intuito de ajudá-la. Foi uma noite muito agradável, éramos quatro casais e seis crianças. Havia toda a louça utilizada sobre a mesa e aquela característica cena dos brinquedos espalhados pela sala. Já era tarde e como eu era a única além dela que não tinha um filho mais novo, me prontifiquei a ajudar. Nossos filhos mais velhos estavam com quatro anos e haviam feito, ainda de fraldas, o primeiro ano da educação infantil juntos. O turbilhão de emoções ao deixar nossas crianças de menos de dois anos na escola acabou nos unindo e lá estávamos nós, dois anos depois nos revendo e dividindo nossas experiências.
A resposta da minha amiga à pergunta sobre recolher e lavar os copos foi: “Não se preocupe, eu lavo tudo quando vocês forem embora e ainda vou lavar todo o chão da cozinha”. Diante daquela frase, nós três nos rebelamos dizendo não ser necessário fazer isso, ela poderia deixar para o dia seguinte, já passava de meia noite e ela ainda teria que colocar a filha para dormir. Ela então nos diz que jamais conseguiria dormir estando o chão da cozinha “daquele jeito”.
Se você também não dorme se o chão da cozinha ou o banheiro estiverem sujos, ou se a pia estiver cheia de louça para lavar, precisamos refletir sobre a “mania de limpeza”.
Já ouvi relatos de pacientes que deixavam de lado qualquer convite para um cinema ou qualquer tipo de lazer porque tinham que limpar a casa. Lembro-me de uma mulher que me disse que: um dia antes da vinda da faxineira ela costumava limpar tudo para “facilitar as coisas e para que a faxineira não pensasse que a casa dela era uma casa suja”. Vejo dois problemas aí: a preocupação excessiva com o que o outro possa pensar e; o aprisionamento ao comportamento de limpar a casa – muitas vezes associado ao limpar tudo que esteja a sua volta.
A mana de limpeza pode estar ligada ao Transtorno Obsessivo Compulsivo. Se existem rituais de limpeza ou checagem em frequência diária, é importante procurar ajuda psiquiátrica com urgência. Porém, mesmo que este comportamento ocorra sem que exista o diagnóstico da doença, é bom observar. A mania de limpeza é muito vista em mulheres e parece estar ligada a algum tipo de fuga ou à necessidade de descarregar alguma energia acumulada. É comum observar nas mulheres muito preocupadas, atentas e incomodadas com a limpeza; um padrão de comportamentos rígidos, tensos e uma irritabilidade constante.
Mulheres com mania de limpeza parecem pouco felizes e vivem presas a um círculo vicioso – o de limpar tudo, sempre. Limpar é uma tarefa sem fim. O natural é não apresentar prazer à maioria das mulheres. Limpamos nossas casas por fatores ligados à higiene e para o nosso conforto, porém quando o comportamento de limpar passa a ser prazeroso ou quando escraviza a ponto de não nos deixar dormir; é hora de acender o alarme vermelho e procurar as razões disso.
Então talvez vocês me perguntem: “Por quê? Isso não é normal?” A resposta é: Isso não é natural.
Dizem algumas linhas do pensamento psicológico – e eu aqui não vou citar e nem entrar pelos labirínticos túneis da psicanálise cavados por tantos teóricos importantes – que a mania de limpeza pode estar ligada á repressão sexual. Acredito que seja porque o sexo foi conceituado como sujo e pecaminoso pela igreja. Fazer sexo dentro dos padrões do cristianismo servia apenas para a procriação e não era digno de quem almejava o reino dos céus se deliciar com qualquer tipo de relação sexual, principalmente se você fosse mulher. O impulso sexual faz parte da nossa espécie, é natural e saudável, porém, uma vez tendo que reprimir essa nossa necessidade, mesmo que secundária, é provável que algumas mulheres possam ter canalizado esta energia toda no aprimoramento da técnica de limpar a casa, ou as roupas ou qualquer coisa que esteja disponível para ser limpa.
Assim como existe o prazer sexual, existem outros prazeres naturais disponíveis para que possamos descarregar nossa energia. Eu, particularmente acredito que limpar a casa seja pouco (ou nada) prazeroso e que é, de fato, o deslocamento de uma vontade reprimida ou uma forma de simplesmente esvaziar-se do que está preso e não consegue sair, de limpar seus próprios canos entupidos. A mania de limpeza, estando ou não ligada ao TOC, não parece ser normal na medida em que escraviza e afasta dos prazeres naturais na vida, disponíveis a todos. A arte, a leitura, a atividade física, o cultivo de plantas, o convívio social e, claro, o sexo; são alternativas mais interessantes. Experimente dormir sem lavar o chão da cozinha ou aceitar o convite para sair deixando a casa “suja” – pode ser um bom começo.
O caso aconteceu na noite de segunda-feira (27), na BR-116, em Ponte Alta.
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