Por Adriana Abraham
Há algumas semanas, estávamos eu e uma colega de trabalho conversando sobre a minha experiência da não maternidade e eis que surge uma frase que, mesmo sem intenção, manifestou em mim a vontade de escrever o presente depoimento.
– Não é a mesma coisa. Amor de mãe é diferente.
A frase acima foi dita em resposta a minha afirmação de que a maternidade poderia ser exercida em favor dos sobrinhos, dos filhos de amigos, namorados, maridos e até mesmo em favor dos filhos de completos desconhecidos.
Ora, se não é a mesma coisa então o que é? Seria um sentimento inferior, produzido a partir da frustração de não estar cumprindo o papel que a natureza determinou a nós mulheres? Os nossos sentimentos seriam diferentes dos sentimentos das outras mulheres?
Se fossemos uma classe distinta de mulheres, como no sistema de castas da Índia, seríamos as “Párias”. Segmento que se encontra fora do sistema de castas. Essas seriam as mulheres que, em algum momento de suas vidas, contrairiam ou não matrimônio, união estável ou qualquer outro tipo de relacionamento íntimo, não tendo gerado filhos dessas relações. Assim, as párias se dedicariam aos filhos dos outros, nutrindo até sentimentos profundos, em busca de um substituto para a sua não maternidade.
Em nossa sociedade a mulher se sente pressionada a justificar a ausência de uma prole, especialmente se já tem uma idade avançada. A expressão de surpresa no rosto das pessoas quando afirmo que não tive filhos me intriga. Avançamos em tantos aspectos, mas ainda hoje discriminamos nossas colegas, amigas, parentes, como se fosse ilegal não ter tido filhos.
Existem tantas circunstâncias que podem levar uma mulher a não ter filhos, como por exemplo: opção pela não maternidade, questões financeiras, emocionais ou até físicas.
Poderíamos então, retomando a reflexão quanto ao amor de mãe, partir da seguinte premissa: Estar biologicamente programada para a maternidade não garante amar incondicionalmente seu (s) filho(s).
Isso me levou a pensar em todas as escolhas que realizei durante meus quarenta e cinco anos que de alguma forma me conduziram a não maternidade. Mesmo que em algumas ocasiões não intencionalmente.
Eu sempre tive uma curiosidade enorme por conhecer outras culturas, viajar, morar em outros países, ser livre para mudar meu destino a qualquer momento, sem maiores consequências. Lembro claramente de optar pela não maternidade aos vinte e poucos anos por não querer interromper um fluxo criativo que me impelia a me movimentar em direção ao desconhecido.
Por volta dos trinta e poucos anos, apesar de ainda sentir esse chamado para o desconhecido, busquei relacionamentos que me possibilitariam exercer a maternidade da forma tradicional. Era fácil abrir mão da maternidade aos vinte e poucos quando a estrada da vida estava só começando. Só que nessa época senti uma inesperada urgência que muitas vezes me levou a estabelecer relacionamentos inadequados para mim, porém perfeitos para o projeto maternidade.
Aos quarenta e poucos anos, em face da aproximação do limite biológico do meu corpo, cheguei a considerar uma produção independente ou mesmo uma adoção como muitas mulheres fazem. Porém, eu sabia que essa não era exatamente a minha vontade. Queria fazer esse projeto junto com alguém especial. Um companheiro com o qual compartilharia as alegrias e também os desafios de trazer um filho ao mundo.
Então, algo inesperado aconteceu. Na verdade não tão inesperado, pois esse processo já tinha se iniciado alguns anos antes, fruto de uma profunda reflexão originada da frustração em não ter conseguido realizar a maternidade da forma como eu concebia ideal.
Estou falando de uma mudança de visão acerca da maternidade. Uma visão que acredito ser espiritual. O exercício da maternidade pode ser muito mais amplo do que a maioria das mulheres percebem. O amor incondicional de uma mãe por seu filho pode ser perfeitamente experimentado por uma mulher que não tenha gerado a criança no seu sentido biológico. Pensem nas mulheres que adotam seus filhos. O amor que uma mãe adotiva sente por seu filho seria diverso do que sente uma mãe biológica?
Pensemos na representação do amor maternal nos relatos bíblicos. Não seria Maria a mãe de todos? Ou só de Jesus? Porque não podemos amar como as demais mães, mesmo que por um breve momento. Um olhar doce para uma criança abandonada na rua, apenas uma palavra carinhosa trocada com o filho de um amigo, um abraço forte nas sobrinhas e puff! Eis que surge o amor incondicional desvinculado da ligação exclusivamente maternal.
Se eu desisti de ser mãe? Não. Apenas descobri, após sofrer muito, que já venho exercendo a maternidade de uma forma mais ampla. Não espero mais ter um filho para, a partir daí, descobrir o que é o amor de mãe.
Quem acredita ser esse sentimento apenas o destinado aos seus filhos, ainda não experimentou o amor maternal. Que é incondicional. Não se trata apenas de compaixão pelo próximo. É AMOR no seu sentido pleno.
Amor de mãe é realmente diferente, agora eu sei.
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