União pirata

Nós. Todos os outros. Todos

Cada um em seu barquinho
Um oceano infinito cheio de troços
Nos vemos de longe
Não vemos direito

Cada um em seu barquinho
Não escutamos com efeito
Remamos

Cada um em seu barquinho
Temos cordas e âncoras
Guardamos rancor

Cada um em seu barquinho
Enviamos cumprimentos longínquos
O oceano é infinito
Quando se cansam do remo
Descem corda. Ancoram
Antes

Cada um em seu barquinho
Sonhavam com o fim do oceano infinito
Quando no oceano infinito encontrariam outro

E cada um não sabia bem o que queria
Só o desejo do remador
De tanto trombar nos troços
Fazer destroços em vão

Do remo cansado
Os braços partidos
Resta a corda
Resta a ancora
Param. Restos.

O rancor guardado na caixinha dos primeiros socorros
No balé das tormentas se enlaçam as cordas
Atrito
Parte fraca
Afunda

O oceano ganha um barquinho
Um barquinho ganha mais um
“Um barquinho pequeno demais pra nós dois”
Parte fraca

Se acomoda em carona
Cada um em seu mundinho
Cada bússola um rumo à parte

Que fere pedaços no arranque
Guardada no cantinho do fundo
Protegida com encantos vencidos
Com o tempo

Do caminho distante
Deixando-se ir na direção do vizinho
Deixando-se à parte dos horizontes
Morrem aos poucos os sorrisos

Artifícios explodem à força
Fogo demais sujando o céu
Pólvora morta afoga no fundo
No fundo
No fundo
Do mar

O vizinho continua a remar
Como fosse só em seu barquinho
Olhando só de relance quem se deixa levar
Até que a enfermidade liberte rancores

Da caixinha dos primeiros socorros
Os primeiros remorsos
Tarde demais?
E quem foi que aprendeu a nadar?

Enquanto cada um em seu barquinho
Quem poderia imaginar?
Um dia saltar em outro
Permanecer por lá
Esquecer-se de si

Quando as bússolas gritam
“Abandonar o barco!”
Quem será o primeiro a saltar?
Sem remo, sem âncora, sem barco no mar

Seria preciso coragem feita de loucura
Dessas impermeáveis de se encharcar
Voam boiam nadam
Dessas que nascem nuas
E seguem sem vento

Bússolas de instinto
Bússolas de razão
“Você já conheceu a ilha?”
“Mas, o oceano é infinito…”
Param de remar.

Se afundam em dois
Naufrago ao quadrado
Quando já não há mais atrito
Há pesar

Pudera antes encontrar
Quem quisesse seguir lado a lado
E não frente a frente
Frente a frente
Não chegaram a nenhum lugar

 

Paula Peregrina

Peregrina de territórios abstratos, graduou-se em Psicologia, trocou o mestrado e uma potencial carreira por uma aventura na Letras e acabou forasteireando nas artes. Cruzando por uma vida de territórios insólitos, perseveram a escrita, a poesia e o olhar crítico, cristalino e estrangeiro de todos os lugares.

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