Por Tatiana Nicz
Ontem amigas queridas vieram conhecer minha casa nova e falamos sobre meu passado, elas adoram escutar minhas histórias mais surreais e que fazem tanta gente rir. Quando elas foram embora tomei um momento para refletir sobre meu passado. Lembrei da sensação que eu sempre tive de nunca estar onde eu queria estar e nunca ser quem eu queria ser e me tranquilizou o fato de que estávamos falando de um passado tão distante, e principalmente de que, há algum tempo já, não me sinto mais assim. Hoje sou quem sempre quis ser e estou onde quero estar e essa sensação é revigorante.
Olho para minha vida hoje e agradeço porque, como na música The Luckiest de Ben Folds, “Now I know all the wrong turns, the stumbles and falls brought me here”, todas as vezes que errei, que magoei os outros, que me magoei, quando dei o pior de mim e sabia que podia ser melhor e fiquei mal com aquilo e sentia que aquilo não estava certo, não era ali que eu queria estar, porque é natural de todos nós que sejamos luz e não sombra. Mas antes de brilhar, precisamos vencer a escuridão, pois sem ela, não há luz. Durante muitos anos eu convivi com essa sensação de que não estava no lugar certo, então eu fiz o que quase todo mundo faz, eu tomei atalhos e fugi.
Viajar é algo fantástico, mas é também perigoso, porque pode carregar em si a ilusão de que nossos problemas ficarão para trás. E viajar para mim se tornou a rota de fuga mais fácil. Corri o mundo, morei em diversos países, viajava porque me encantava sim, mas eu partia sempre com a esperança de que ao sair do lugar meus problemas ficariam para trás, juntamente com aqueles que os conheciam: meus amigos, minha família, minha cidade natal. Seria bom se isso fosse mesmo possível, mas aprendi (um pouco tarde até) que não podemos fugir de nós mesmos, não importa para onde formos, fugir não é a solução, o único caminho é ficar e consertar tudo, dia após dia, passo a passo, construir uma morada dentro de nós forte e duradora.
Hoje entendo perfeitamente porque eu queria partir, porque se tornar quem você quer ser é um processo cansativo, olhar na cara de nossos maiores medos e enfrentá-los é um trabalho tortuoso, dilacerante, agonizante. E dá muita vontade de fugir. E não é só a viagem que nos proporciona essa fuga, podemos nos distrair com muita coisa, relacionamentos ruins, diversão, com a noite, com pessoas rasas, com problemas rotineiros, hoje em dia, tudo ou quase tudo, nos convida a fugir. Mas o bom da vida é que a qualquer momento você pode escolher a estrada mais longa, você pode escolher ficar e enfrentar a escuridão. O bom da vida é que nossos erros do passado não nos definem, mas nossas dores sim e só nossas dores nos levam para uma viagem longa e necessária.
Nossas dores nos levam à escuridão que habita no que chamamos de “fundo do poço”, pois só quem tem a capacidade de sentir muito pode sofrer. O fundo do poço certamente não é um lugar agradável, ninguém quer estar lá e ninguém deve passar muito tempo por lá, mas todos nós deveríamos (re)visitá-lo em algum(s) momento(s) de nossa trajetória, porque estar nele é penoso, porém sair dele é algo que nos faz sentir livres, vivos, capazes. Não tem nada mais útil para o mundo que um ser humano capaz, feliz, criativo. E não existe liberdade plena sem a passagem pelo fundo do poço. Porque só quem conhece a dor profunda, quem consegue se desprover de tudo e ficar nu, totalmente vulnerável, perder emprego estável, perder pai e mãe, perder a cabeça e reconstruir-se a partir de escombros, encontrar-se no meio de tudo isso, só quem perde muito e continua vivo consegue entender o que é de fato sentir-se livre.
Meus erros não me definem, mas minhas dores sim e graças à elas hoje minha vida não é mais feita de partidas e sim de chegadas. Não é mais feita de fugas e sim de encontros.
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