Dia desses meu marido estava brincando com meu filho, falando que se tivesse ficado com sua primeira paixão platônica, aos quinze anos, na cidade pequena onde moravam, certamente sua história teria sido outra. Muito provavelmente teria se acomodado na vida tranquila do interior, não teria tido tanta garra para lutar pela faculdade de medicina, teria se casado muito jovem e, pasmem, poderia ser até avô! Depois dessa constatação surpreendente, meu filho disse: “É pai, ainda bem que ela não te deu bola!” e todos nós rimos dessa conclusão engraçada e muito acertada.
Tem escolhas que não dependem de nós, que contrariam nossos desejos e nos entristecem por um tempo, mas depois, olhando para trás, percebemos que foram essas histórias encerradas _ mesmo contra nossa vontade _ as peças fundamentais para nossa felicidade. Pois a mão de Deus é poderosa, e mesmo sem enxergar no momento, algumas coisas são um tremendo livramento.
Às vezes a gente fica tão focado naquilo que perdeu que acaba não dando chances para o que virá. Os livramentos acontecem silenciosamente, a todo instante, e mesmo sem compreender, é preciso confiar. Acreditar que algumas perdas não são prejuízos, e sim bênçãos disfarçadas.
A vida é constituída de muitas histórias, e alguns capítulos só serão escritos quando outros forem encerrados. Em vez de apenas lastimar suas perdas, comece a ter fé de que foram o gatilho necessário para uma felicidade mais palpável e duradoura. Assim como gavetas bagunçadas que precisam de espaço e faxina, a vida só vai adquirir ânimo novo se a gente permitir. Se a gente autorizar que nossas bagunças deem lugar a alegrias novas e coragens renovadas.
Preste atenção ao que você perdeu. Olhe com sensatez para aquele lugar vago e por um instante de lucidez comece a discernir se realmente foi uma perda ou um ganho. Se o espaço antes ocupado por aquela pessoa, situação ou sentimento pode agora ser preenchido por coisa melhor. Tenha o bom senso de observar as lacunas que restaram, percebendo que finalmente está livre para uma história mais inteira e recíproca. Às vezes a gente imagina que é dono de um jardim, mas só é possuidor dos espinhos do jardim. Precisamos parar de aceitar a dor como algo que nos completa, e começar a desejar a beleza, o perfume e todo o bem que o jardim inteiro pode nos proporcionar.
Às vezes, não ser correspondido por alguém é um tremendo livramento. Dói ser rejeitado, dói ser preterido. Porém, um dia a compreensão chega. E respiramos aliviados por não termos sido a prioridade ou a escolha de alguém. Pois foi a desistência desse alguém por nós que impulsionou nosso encontro com o caminho mais acertado que nos estava reservado. O caminho que, cegos pela paixão, engano ou teimosia, não conseguíamos enxergar. E nesse ponto volto a concordar com a sabedoria juvenil do meu filho quando, ouvindo as histórias do meu marido, anunciou com apurado bom humor: “É pai, ainda bem que ela não te deu bola!”…