Marcel Camargo

Às vezes, teremos que atravessar o luto por alguém que ainda está vivo

Já sobrevivi ao luto de amigos, de entes queridos, de minha mãe – travessia mais do que dolorosa – e, agora, atravesso um luto amargo pela minha gatinha amada. Trata-se de um período muito duro, escuro e solitário, porque o que toma conta da gente é só nosso, ninguém mais consegue ver. Daí haver muita incompreensão por parte de algumas pessoas.

Como toda tempestade emocional, o luto nos leva a pensar e a repensar a nossa vida, a forma como vivemos, a dimensão do amor que sai de nós e que em nós entra. A gente compara, tenta entender, lembra, chora, revolta-se, chora, tenta voltar ao normal, mas chora. Olho à minha volta e percebo que cada um tem o seu luto próprio, que transborda com mais ou menos intensidade. Aprendo, assim, que não se deve julgar ou comparar a dor de ninguém. Dor é para ser entendida e consolada, jamais menosprezada.

Meu pai sempre me dizia que, para tudo, há um jeito, menos para a morte. E é verdade, pois, enquanto houver vida, existirão outros caminhos. Já quando a vida se foi, o único caminho será de dor, saudade e reerguimento interior. Tudo passa, dolorosamente, aos poucos, mas passa. Por outro lado, muitas vezes, teremos que atravessar o luto por alguém que se foi de nossas vidas, mas continua por aí, lindo, leve e solto.

Quando nos separamos de alguém por outras causas que não a morte, também teremos um luto a ser enfrentado pela frente. Olharemos ao redor e a pessoa não mais estará ocupando os nossos espaços, mas estará ainda habitando o mundo e longe de nós. E sofreremos do mesmo jeito, ainda mais imaginando onde o outro está, com quem, fazendo o quê, se está mais feliz que nós, se sente a nossa falta, enfim, a separação sem a morte também traz dor e saudades. Também tem seu tempo de cura e cicatrização.

A vida, como se vê, irá nos obrigar a aprender que a gente tem que continuar, muitas vezes sem o que queríamos, de uma forma totalmente diferente daquela com que tanto sonháramos, tendo de sobreviver com ausências doídas, enquanto a alma se dilacera. Apesar de ninguém substituir ninguém, sempre poderemos ir ao encontro de novos amores, novas amizades, novos bichinhos de estimação, para que nosso amor não sufoque dentro do peito e encontre outra morada onde possa repousar com verdade. É assim que o amor não morre.

Imagem de capa: SanchaiRat/shutterstock

Texto publicado originalmente em: Prof Marcel Camargo

Marcel Camargo

"Escrever é como compartilhar olhares, tão vital quanto respirar". É colunista da CONTI outra desde outubro de 2015.

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