Jocê Rodrigues

Violência Psicológica: agressão além da pele

Um inimigo silencioso, que se instaura sem ser percebido. Não faz alarde e não deixa marcas visíveis. A violência psicológica, ou velada,  existe e, mesmo que ainda seja ignorada por agressores e também por parte significativa de suas vítimas, a exposição a ela pode deixar marcas profundas.

“A maior parte das vítimas da violência velada é composta por pessoas que por desconhecimento não se sentem vitimizadas até que seja tarde demais”, informou à CONTI o especialista em segurança pública e coordenador do OBVIOObservatório da Violência Letal no Rio Grande do RN/UFERSA, Ivenio Hermes.

“Nesse leque encontramos menores suscetíveis e vulneráveis, que sofrem a violência causada pela ausência dos pais e das autoridades, e também, mulheres e crianças que sofrem esse tipo de agressão também dentro de seus próprios lares, onde o causador pode ser um parente ou pessoa de confiança”.

SINAIS

“Abusadores são pessoas conhecedoras de métodos sofisticados de manipulação. Culpabilizam, punem com silêncio passivo-agressivo, projetam e invertem culpas com uma maestria que somente um expert seria capaz de captar à primeira vista”, disse à CONTI a advogada e personal coach Lucy Rocha.

Lucy foi uma dessas vítimas mas, depois de tentar se livrar por quatro anos de uma relação abusiva, conseguiu dar um ponto final na situação e decidiu criar uma página no Facebook para ajudar homens e mulheres que vivenciam os mesmos problemas pelos quais ela passou. Assim, em 2013, surgiu a Relações Tóxicas.

“Desde a primeira linha eu tinha noção de que seria um trabalho árduo, com um custo
emocional e financeiro importantes. Desde então, lido com pessoas incríveis e histórias inspiradoras que indicam que fiz uma escolha acertada”, escreveu em nota publicada na própria página.

Lucy afirma que é difícil a vítima se dar conta de que está em uma relação abusiva. “Normalmente essas pessoas passam anos e anos de suas vidas na mira de um abusador sem exatamente compreender que estão sofrendo abuso”, comenta.

Para ela, a dificuldade em reconhecer-se em tal posição está ligada ao fato de que os responsáveis pelos abusos sabem manipular bem os envolvidos, deixando-os sempre em posição de vulnerabilidade.

Dentre os diversos sinais que podem dar indícios de uma relação afetiva abusiva, onde a prática de violência psicológica é comum, Lucy aponta: 1 – a atenção excessiva logo no início da relação, ultrapassando o afeto comum e beirando o sufocamento; 2 – as “brincadeiras” aparentemente inofensivas que denigrem e minam a autoestima; 3 – a indução para o afastamento de amigos, familiares e hobbies – isso facilita a dependência e dificulta o pedido de socorro.

“A coisificação de outro ser humano por meio de tratamentos humilhantes, desrespeitosos e/ou degradantes, é um dos melhores meios de se identificar os relacionamentos abusivos”, completa Ivenio.

Ivenio ainda diz que “é necessário dar a devida atenção para os sinais aparentes da violência velada, que podem ser pequenas marcas corporais/físicas”, alerta para os “sintomas externos das reações psicológicas, que podem ser introversão e timidez excessiva, pouco contato com pessoas da mesma idade no caso de crianças e adolescentes, além do receio de conversar”.

“Não existe uma forma de mensurar quantitativamente ou qualitativamente essa violência, pois as delegacias que labutam nesse campo não possuem instrumentos de qualitativos nem de medir a violência aparente”, explica Ivenio, que é um dos autores do Observatório Potiguar 2016. “Se os meios de aferição são tão escassos em crimes visíveis, imagine em crimes que não são facilmente perceptíveis?”.

COMBATE E PREVENÇÃO

“Infelizmente, apesar do fato de que a violência psicológica esteja prevista como crime no art. 7 da Lei Maria da Penha, ainda é algo muito difícil de se comprovar. As sessões de tortura psicológica, as dinâmicas instauradas, as agressões veladas são tão sutis e surreais, que quando a vitima tenta denunciar ou ao menos contar a alguém, normalmente é tida como louca, excessivamente sensível ou como alguém que não esta lidando bem com o termino da relação”, lamenta Lucy.

Os profissionais aqui entrevistados concordam que o combate a esse tipo de violência está vinculado ao grau de autoconhecimento e discernimento das vítimas. A isso deve estar aliado o acesso à justiça por meio de mecanismos de denúncia que não as exponham.

“Nesse contexto é necessário buscar ajuda de pessoas idôneas, é claro, buscando uma delegacia de proteção à criança e adolescentes, idosos, mulheres, enfim, delegacias que estejam pelo menos habituadas ao trato com pessoas suscetíveis a essa forma de agressão”, indica Ivenio. “De uma forma muito carinhosa e pessoal, aconselho que todas as mulheres, aliás, todo o ser humano, se perceba como de equivalente e igualitária importância dentro de uma relação, devendo se amar em primeiro lugar, se valorizar intimamente, para não se suscetibilizar a nenhum tipo de relacionamento abusivo”, conclui.

“Se há ameaça ou agressão física, o caminho é lavrar boletim de ocorrência, fazer exame de corpo de delito, representar para que se torne uma ação penal e, se necessário, requerer na própria delegacia medida protetiva para manter o agressor à distância. Se a ordem for desobedecida, minha sugestão é que registrem, busquem testemunhas e chamem imediatamente as autoridades”, aconselha Lucy, antes de arrematar: “Jamais aceite ter uma conversa, um encontro final ou conflito com alguém que já atentou contra sua vida. Costumo dizer que dar-lhes uma segunda chance, é como dar uma segunda bala para alguém que só tinha uma, atirou em você e não acertou”.

Todas as imagens são do fotógrafo Richard Johnson, criador da campanha “Weapons of Choice”, e destacam a dor causada por insultos verbais.
Jocê Rodrigues

Editor, escritor e jornalista.

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