Imagem de capa: ESB Professional/shutterstock
“Quero lhe implorar para que seja paciente com tudo o que não está resolvido em seu coração e tente amar as perguntas como quartos trancados e como livros escritos em língua estrangeira. Não procure respostas que não podem ser dadas porque não seria capaz de vivê-las. E a questão é viver tudo. Viva as perguntas agora. Talvez assim, gradualmente, você sem perceber, viverá a resposta num dia distante.”
Rainer Maria Rilke
A Gestalt-terapia é uma abordagem da Psicologia pouco conhecida, porém fascinante. Não somente por ser atual, mas muito por sua simplicidade. Fritz Perls, um de seus pensadores, criticava os processos de racionalização e intelectualização, nos quais tentamos (em vão) explicar eventos psicológicos. Para ele, a grande maioria das nossas vivências mais marcantes não carece de uma explicação lógica, ela apenas precisa ser sentida.
A Gestalt-terapia é conhecida, também, como a terapia do aqui agora e sofre muitas críticas, por simplificar uma área da academia que, com os anos, tornou-se extremamente teorizada e elitizada. Para Fritz, o processo terapêutico deve ser acessível, simples e objetivo. Principalmente, ele deve devolver autonomia ao cliente, para que ele possa desenvolver autoapoio e autorresponsabilização ao fazer escolhas, para que ele aprenda a utilizar seus próprios recursos no momento, dependendo cada vez menos da validação do meio ou de um profissional.
“O intelecto é a prostituta da inteligência”, dizia Perls, que condenava a Academia atuando na formação de psicoterapeutas e as áreas de estudo que buscam incessantemente sentido e entendimento racional de tudo. O intelecto se vende fácil ao que faz sentido lógico, mas nem sempre isso combina com nosso entendimento emocional dos eventos. Constantemente, tentamos racionalizar e entender nossas frustrações através da razão e explicá-las, a fim de encontrar paz e conforto e, na maioria das vezes, essas tentativas geram mais conflitos emocionais do que resoluções.
A grande “sacada” de Fritz envolve a validação de nossas emoções. Ele entendeu que os eventos psicológicos não podem (nem devem) ser compreendidos racionalmente. Entender que a morte é uma certeza de quem vive, conhecer as religiões e crenças, acreditar em um plano espiritual além da vida, não fazem a perda de alguém que amamos menos sofrida, tampouco tornam a possibilidade da morte menos assustadora. Mais do que explicar racionalmente, é preciso sentir, lamentar e chorar a dor da perda.
Tudo isso parece muito simples, se não vivêssemos em uma sociedade cartesiana, altamente intelectualizada, onde se busca fazer sentido lógico de tudo, onde é tão difícil falar de sentimentos, medos, frustrações, perdas, fracassos, dores. Para evitar a inconveniência da verdade, maquiamos as partes duras de nossa história, na tentativa de deixá-las “emocionalmente suportáveis”.
É mais fácil dizer que gasto muito do que admitir que sustento meu marido. É mais fácil falar que ele anda muito ocupado e não consegue me responder a admitir que estou sendo rejeitada. É mais fácil apontar culpados para o que vivo de disfuncional do que admitir que sou tão responsável pelas minhas vitórias quanto sou pelos meus fracassos. Esses são exemplos bem simplificados de como construímos as histórias fantasiosas que nos contamos. Geralmente nos contamos mentiras, “enfeitamos” os fatos, porque é muito doloroso encarar a verdade. Ironicamente, é só quando validamos nossas verdades mais duras que encontramos consolo e paz.
Fritz falava de um outro tipo de inteligência, que nada tem a ver com o intelecto. A inteligência que ele reconhecia era uma inteligência criativa e emocional. Ele reforçava que saúde emocional tem a ver com desenvolver uma maneira de viver a vida com autonomia, autoresponsabilização, responsability, ou seja, habilidade de resposta adequada para cada novo conflito que se apresenta (na língua inglesa: responsibility = response+ability).
O propósito do Gestalt-terapeuta é auxiliar o cliente a descobrir suas verdades por si só e frustrar todas as tentativas de racionalização e fuga. É comum que a pessoa chegue ao consultório com a história já ensaiada, racionalizada, tentando fazer sentido de todos os fatos. “A verdade só pode ser tolerada quando descoberta por conta própria”. O Gestalt-terapeuta deve agir como facilitador, nunca como mensageiro da “verdade”.
A Gestalt-terapia me ensina todos os dias que as respostas que buscamos encontram-se em um caminho tão mais acessível que não ousamos percorrer pelo prazer que temos em complicar o que é simples. Mas, para aqueles que se arriscam, o convite é o mesmo feito por Rilke, em seu livro “Cartas a um jovem poeta”: pare de procurar as respostas e comece a viver as perguntas.
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