Amadurecer é seguir o nosso percurso deixando os nossos pedaços pelo caminho. Nunca amadurecemos inteiros porque a vida é uma arena de lutas. A gente vai intercalando fases de dores e glórias, derrotas e vitórias, risos e lágrimas.
Ao olharmos para trás, nos daremos conta de que boa parte da nossa essência se dissolveu em meio às decepções, aos enganos, às traições e às nossas expectativas frustradas. É fato que superamos as adversidades, mas, nunca seremos os mesmos. Algo em nossa essência se modifica nesse processo de resiliência.
Quando vivenciamos, por exemplo, o dissabor de uma traição, podemos superá-la no sentido de perdoar o traidor e diluir completamente o ressentimento oriundo dessa experiência, em contrapartida, adotaremos uma postura mais desconfiada em relação aos demais vínculos relacionais existentes e aos que ainda serão formados. Perderemos muito da nossa inocência e credulidade, isso é involuntário, faz parte do nosso instinto de defesa e até mesmo de sobrevivência.
É como se, a cada experiência estressora, amputássemos um pouco da nossa essência original. Dessa forma, prosseguimos com a nossa alma cheia de remendos e enxertos. O nosso eu, que um dia foi comparado a um lençol em tecido único, fica tal qual uma colcha de retalho, com vários tecidos de cores e texturas diferentes. Melhor comparando, imagine uma pele que sofreu uma queimadura grave. Há uma recuperação de parte dos aspectos funcionais, contudo, a estética nunca mais será a mesma, algumas ficam insensíveis devido à destruição das terminações nervosas, dependendo da profundidade da queimadura. A sobrevivência àquela agressão causada pelo calor extremo é possível, mas, a pele nunca mais terá o aspecto íntegro que teve antes da queimadura.
Acontecerá de sentirmos saudades de nós mesmos, daquela pessoa que fomos um dia. Nos lembraremos, com nostalgia, do tempo em que acreditávamos em todo mundo. A desconfiança, apesar de ser um peso, passará a integrar a nossa percepção após sermos golpeados, sucessivas vezes, pela deslealdade.
É muito desconfortável nos darmos contas de que fomos saqueados na nossa pureza e boa fé. É como se nos percebêssemos amputados em nossa essência. Aquele pedaço bonito e agradável da nossa personalidade deixou de existir dando lugar a uma porção de alguém muito diferente do nosso “eu original”. Pior ainda é quando temos que nos esforçar para não permitir que a nossa essência original se manifeste. Isso é muito ruim, é como se existissem dois seres digladiando dentro da gente. Um, original, que insiste em demarcar território na nossa forma de nos comportar, e aquele que foi incorporado em decorrência das nossas decepções. Essa queda de braço bagunça o nosso equilíbrio e nos deixa sem identidade.
Mas, nem tudo está perdido nesse contexto que envolvem as rasteiras da vida. É que, pensando bem, da mesma forma que somos roubados em nossa essência, também somos agraciados com aprendizados que agregam e embelezam. Aprendizados que serão revertidos em cura, em crescimento, em gratidão e em transformação positiva. Daí, perceberemos que em nossa colcha de retalhos existirão vários tecidos. Existirão aqueles tecidos bem frágeis, puídos e sem beleza, e, existirão também aqueles pedaços tão nobres e lindos que nos darão um imenso orgulho de tê-los compondo o nosso novo eu.
Imagem de capa: lithian/shutterstock
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