Às vezes acontece depois de um banho morno. Outras vezes, no meio de um picolé numa tarde excessivamente quente. Ainda há outras vezes em que a mágica acontece no instante em que o corpo se entrega ao sono. Sem deixar de mencionar a delícia que é aquele momento em que nos damos de presente o silenciar da mente. Paramos de viver para agradar, para nos ajustar, para tentar caber em um modelo que não nos serve.
É quando conseguimos nos desapegar do controle, da obstinação em achar respostas plausíveis para todos os dilemas e da necessidade de atender às expectativas dos outros em relação ao que temos a oferecer, que temos a chance indescritível de nos libertarmos das correntes tão pesadas da cobrança, da culpa e da insatisfação.
Viver para agradar os outros é vender a própria alegria numa feira de liquidação. Abrir mão dos sonhos em troca de uma segurança cem por cento planejada, é esfarelar em milhões de migalhas a delicada e rara joia que nos ilumina o peito, chamada paixão pela vida. Negar-se o próprio colo, o próprio tempo e o próprio amor, é passar aos outros o poder de decidir sobre o próprio destino.
Somos a combinação – às vezes harmoniosa, às vezes caótica – das inúmeras experiências que fomos colecionando ao longo do processo. Somos as lágrimas que deixamos correr quando o prazer ou a dor atingiu o clímax. Somos os momentos em que fechamos os olhos, num piscar de olhos que descobriu o amor. Somos a falta de ar das descobertas. Somos o excesso de luz da generosidade. Somos a sombra dos medos que nos acompanham. Somos a intersecção entre que o que queremos, o que desistimos e o que damos conta de ser.
E quanto menos colocarmos em outras mãos a responsabilidade pela nossa alegria, mais oportunidades teremos de descobrir o que de fato nos encanta, nos move e mobiliza. Menos vulneráveis estaremos em relação às tempestades ou períodos de seca, que certamente nos encontrarão em algum ponto do caminho.
Descobrir-se para revelar, em si e para si, os caminhos simples ou complexos que se entrelaçam entre aquele que fomos, somos e viermos a ser. Aceitar-se, para deixar fluir de dentro para fora a nossa vocação para fazer, compartilhar e receber o bem. Abraçar-se, para encontrar as formas mais simples e bonitas de se conectar, consigo mesmo e com o outro. Encontrar a paz, enfim.