Viver sem amar e passar a vida só olhando o mar

Pode ser até que um dia alguém faça trincas no coração da gente. E, então, a tristeza da alma que foi ocupada e depois não serviu mais, vazará. Surgirá uma incompreensão absoluta pela ausência repentina do amor. Haverá perplexidade diante da necessidade do outro pela adrenalina do conflito, pela sensação de poder. Aquele que quer ficar nunca entende o adeus.

Amores acabam. Alguns acabam. Duram, enquanto durar o encantamento da paixão, o frio na barriga, o coração aos saltos, o arrepio. Frio e calor juntos, no mesmo toque. Mas ainda assim, terá sido amor. Ainda que não tenha restado nada do estado etéreo das primeiras carícias; do sobressalto do primeiro beijo; da excitação de acordar com saudade no meio da noite. Ainda assim, terá sido amor.

Porque o amor tem muitas formas de nos acomodar em suas malhas do tempo. Há amores que ficaram na infância. Na sensação de pertencimento que nasce de um gesto desajeitado de carinho; de ter por perto uma mão que cabe direitinho no encaixe da nossa. Na cumplicidade de um riso que não se contém. No mágico acontecimento que é falar por meio de tantas outras coisas que não sejam palavras.

Há amores que chegam de repente. Tempestade de verão. Vêm coroar uma tarde quente e abafada; trazer o frescor da chuva; o cheiro das gotas que encontram o chão. Amores passageiros, nem chegam a causar qualquer dor. São carícias feitas devagarinho, na pele úmida. Ternos, suaves, compreensivos. Amores que deixam saudades para sempre.

Há amores que se constroem com os dias. Chegam devagar. No prazer de conversar. Amores amigos, vão se transformando. Vão transbordando em abraços que nunca terminam de verdade. E mãos entrelaçadas que não têm pressa de se soltar. Em segredos, contados em voz baixa, em madrugadas insones. Amores que brotam feito flores de verbena. Exalam o perfume da confiança, da entrega e do gostar eternamente.

Há ainda, aqueles amores que só existem na fantasia de um sonho. Nunca se concretizam. Não chegam a ser um fato, ficam no plano das ideias. São amores ideais. Viajam com a rapidez de um raio e terminam em tardes de garoa fina. Moram para sempre dentro de nós. Nunca serão capazes de nos ferir. Os encontros nunca serão esquecidos; as promessas nunca serão descumpridas. Nada de rompimentos ou corações partidos. Amores que se dissolvem no ar.

E, quem de nós não terá tido um amor que parecia único, especial, definitivo. Um plano para a vida inteira. Um projeto no qual era possível erguer paredes, plantar jasmins, pendurar balanços em árvores, imaginar varandas de frente para o mar. Eram amores eternos. Amores para nos acolher lá no tempo distante, quando já não fôssemos tão tolos e afoitos. Amores para percorrer toda uma vida conosco. Para nos entender, acolher, conhecer.

O amor? Ahhhh… O amor tem tantos jeitos de existir. Pode permanecer ou partir. Pode nos fazer sorrir sem perceber. Pode nos ensinar a duvidar. Pode nos transformar em algo que nunca supúnhamos alcançar. Amor é para que tem coragem. Amor é para quem ousa acreditar que uma vida sem ter amado, é uma vida que nem existiu.

Imagem de capa: Lia Koltyrina/shutterstock







"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"