Sim, é. Mas não precisa se preocupar. Você não tá sozinho. Eu, tu, ele. Nós. Tamo junto! E nem é motivo propriamente pra vergonha, já que a gente é preparado pra isso. Sim, somos maioria. E ok, isso é uma generalização. Talvez você que esteja lendo realmente não seja parte deste time, lembrando até que existe o analfabetismo pleno e o analfabetismo funcional. Pra dar um exemplo simples, saber a diferença entre presidencialismo e parlamentarismo (coisa que se aprende na escola e dá pra relembrar com um google rápido), pode ser equiparado a conhecer o alfabeto, o que tira a pessoa do analfabetismo pleno, mas se você tem dificuldades pra discorrer sobre as vantagens de um sobre o outro, a partir de um ponto de vista próprio (ou emprestado mesmo), pode cair na categoria dos analfabetos funcionais. Outro teste: você fica à vontade pra falar sobre os benefícios que o voto distrital pode ou não trazer? Ou sabe o que é distritão, voto distrital misto, lista aberta, essas coisas que fazem parte da discussão sobre a reforma política no Congresso?
Sempre achei que a gente também deveria aprender na escola coisas práticas, como trocar um chuveiro ou ter aquelas aulas de marcenaria, que a gente vê em filme americano. Aprender sobre Política também poderia fazer parte, já que pode nos afetar mais do que não saber usar uma serra circular. Não falo só de uma passagem superficial sobre sistemas de governo e coisas assim, que são dadas pra alimentar a decoreba sem questionamento que tem validade só até a próxima prova. Temos escolas em que existe aula de Religião. Por que Política não pode ser uma disciplina também?
Nem tudo se aprende na escola, claro. Sempre dá pra correr atrás de informação, ainda mais agora que ela está por toda parte. Acho que não sei mais fazer uma equação de segundo grau, como muita coisa que foi dada na escola. Mas isso porque são coisas distantes pra mim. Sei que elas fazem parte do cotidiano, já que o prédio em que moro está de pé por conta delas, mas eu fico confortável em deixar que outras pessoas, com formações específicas, dominem as equações e se entendam com elas, pelo bem da comunidade, enquanto eu posso optar pelo direito de replicar o discurso do “Eu odeio Matemática!”. A Matemática não vai se ofender, já que ela consegue sobreviver sem mim e sabe que eu não consigo sobreviver sem ela.
A maior parte das pessoas diz que odeia Política. Mas sabe, com variados graus de consciência, que a vida de todos é afetada por ela, de várias formas. Impostos que puxam o custo de vida, leis que ditam comportamentos, obras que melhoram as cidades, por exemplo. Sem impostos, não temos as obras e sem as leis não estamos longe da barbárie, que mesmo com elas nunca fica muito longe. Impostos, leis e orçamentos interferem diretamente na nossa vida e são votados sempre, todos os dias em que o Congresso trabalha, mas a gente sabe que diabos é um Congresso? A diferença entre um deputado e um senador? Você sabe? Mesmo?
Com as redes sociais, a Política está em pauta todo dia, mas o que circula por ali tem mais o objetivo de confundir e desinformar. Tudo chega muito fácil e ainda existe a ilusão de que se algo está dito em um post, deve ser verdade, não precisamos ir atrás pra confirmar. Olhando por esse lado, antes de termos uma formação política, talvez aulas sobre como usar as redes sociais sejam mais urgentes…
Mas voltando à política: pra maioria das pessoas, votar em candidatos pra vereador ou deputado é sempre um problema. Tem sempre muita gente pedindo indicação, em época de eleições. Mais ou menos como na escola, onde um assunto é esquecido depois da prova, os candidatos em que se votou são esquecidos depois das eleições. Talvez porque não se saiba que um vereador ou deputado pode ter mais impacto sobre nossas vidas do que um governador ou presidente.
Em 1959, um rinoceronte chamado Cacareco teve quase 100 mil votos para vereador, em São Paulo. Rinoceronte mesmo, aquele bicho com chifre, que vivia no Zoológico. Para desilusão dos seus eleitores, que já imaginavam como seria a posse, seus votos foram considerados nulos. Mas a partir daí, o Voto Cacareco passou a ser sinônimo de voto de protesto. Claro que aí tinha uma mistura de voto propriamente de protesto e brincadeira. Mais ou menos como aconteceu recentemente com Tiririca, que teve 1,3 milhões de votos em 2010 e um pouco menos na reeleição, em 2014, mas ficando ainda com mais de um milhão de votos. Ainda houve uma tentativa de se impedir que ele tomasse posse, sob a acusação de analfabetismo, mas ao contrário de Cacareco, ele não só tomou posse como ainda tem tido uma carreira razoavelmente elogiada, sendo um dos mais assíduos, propondo projetos que beneficiam artistas circenses e ocupando a 68ª posição entre 513 deputados, na avaliação do ranking Atlas Político. Nada mal, mas quem votou nele, votou por quê? Não porque esperasse essa performance, mas talvez porque fosse uma forma mais divertida de se anular um voto, já que a ideia podia ser de que voto pra deputado não serve pra nada mesmo…
E como fica a questão do analfabetismo político entre vereadores, deputados, senadores? Ano passado, encontrei com um amigo que se candidatou a vereador em uma cidade pequena. Não ganhou, mas ficou na suplência. Como sempre temos um preconceito estocado para todas as horas, a primeira coisa que pensei foi que ele devia estar procurando uma fonte de renda. Pra minha surpresa, mais um preconceito foi demolido ali. Ele me disse que, apesar da suplente, ele estava comparecendo a todas as sessões e ainda tinha entrado em uma faculdade, para estudar Gestão Pública. Quantas pessoas têm esse grau de dedicação, quando resolvem seguir a carreira política?
É isso que a gente tem que descobrir, na hora de votar. Ano que vem teremos eleições municipais. Pode ser hora de já ir pensando em quem são os vereadores que estão por aí. Em qualquer cidade, dá pra assistir uma sessão da Câmara. Na cidade de São Paulo, pra facilitar, existe um projeto que se chama Câmara no Seu Bairro, onde a cada semana a Câmara de Vereadores realiza uma audiência pública em uma das regiões da cidade. Parece que a adesão dos vereadores não é lá muito grande, mas a da população tem sido. Pode ser um começo de mudança.
Outro começo pode ser tentar descobrir pra que é que serve um vereador, o que é o voto distrital ou ler o poema “O Analfabeto Político”, do Bertolt Brecht.