De vez em quando precisamos parar, olhar pela janela e não pensar em absolutamente nada. É isso mesmo, é bom desligar por alguns momentos e só sentir. Sentir o cheiro da comida sendo feita no fogão, ou da marmita que você pediu no delivery online e acabou de chegar. Sentir a textura do pelo macio do seu cachorro, ou do seu gato, ou os dois, ou simplesmente um cobertor favorito. Ouvir uma música que te desperta uma boa lembrança, ou o silêncio da casa vazia, ou o barulho da casa cheia, ou carros passando na rua, não importa: ouvir.
Pensar é bom e todo mundo gosta, e acredito que o exercício do raciocínio é fundamental. Mas de vez em quando parar e não pensar, deixar-se levar pelo que seu corpo te traz de mensagens de fora, pode ser incrivelmente libertador. Sentir o prazer que os sentidos nos provocam, agradecer ao que nos cerca, viver pelo momento aqui e agora. Você já se permitiu hoje? Comer sentindo o gosto do alimento, ouvir sentindo o som reverberando, tocar sentindo a textura, olhar sentindo a luz entrar, cheirar sentindo o que cada nota do aroma tem a lhe dizer? Parece tão simples, mas parece que para algumas pessoas não é bem assim.
Dias atrás ouvi alguém me dizer que “não tinha tempo nem para sentir o gosto do suco que bebia”, e isso me deixou bastante perplexa. Não consegui me convencer da ideia de se beber um suco sem sentir seu gosto até conversar sobre isso com amigos e concluir que, de fato, muita gente não se preocupa com esses “meros detalhes” mesmo. Achei isso triste e preocupante ao mesmo tempo, e vez por outra ainda me lembro desse pensamento, que vem acompanhado de um Fernando Pessoa sussurrando ao meu ouvido, quase que querendo me acalmar:
“O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…”
Esse trecho tão breve do “Guardador de Rebanhos” guarda algo lindo nele, que merecemos parar para refletir. Não busco uma reflexão extremista, de que devemos parar de pensar e simplesmente sentir. Não, nada disso! Ele me diz mais, e somente, para aproveitar o que o mundo tem a nos oferecer, estarmos de acordo com o que nossos sentidos nos dão, olhar cada paisagem, sentir cada gota de suco que bebemos. Viver sem precisar se explicar por isso.
*”O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993) – 24.
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