Imagem de capa: Olga Klochanko
Comer é um ato político. Revelamos muito sobre a relação que temos com o mundo, por meio das escolhas que fazemos acerca daquilo que colocamos voluntariamente na boca, ou descartamos, sem muita ou nenhuma reflexão. Comer é uma atitude que se toma para resolver questões relacionadas à fome e à necessidade de nutrir o corpo, também em outros âmbitos, que não apenas o orgânico.
Em nosso caso, particularmente, estamos inseridos em um país que produz uma quantidade de alimentos mais do que suficiente para alimentar toda a sua população. No entanto, o Brasil exibe sua incompetência socioeconômica e cultural, revelada por meio de um vergonhoso dado numérico: há mais de 7 milhões de brasileiros que passam fome.
E é claro que a origem de toda essa miséria é uma economia baseada apenas no lucro e no consumo, que repousa nos braços de uma classe política lamentavelmente corrompida, movida pelo desejo visceral de poder e benefícios econômicos pessoais.
Também é claro que a solução para a fome em nosso país, assim como em todo o resto do mundo, depende da implementação de políticas públicas voltadas para o benefício de todos e não apenas de alguns. Depende da conscientização a respeito da má utilização dos alimentos, desde o manejo nas áreas de produção agropecuária até o lixo riquíssimo que produzimos em nossas próprias casas.
O Brasil desperdiça em torno de 41 mil toneladas de alimentos ao ano. Sim, é um número absurdo! E alarmante, posto que grande parte desses alimentos, caso recebessem um destino diferente, poderia salvar a vida de crianças, jovens, adultos e idosos que vivem em situação de extrema vulnerabilidade social.
Jogar comida boa fora chega a ser um ato criminoso. No entanto, precisamos parar de torcer o nariz apenas e assumir que essa é uma prática muito comum em nossas casas.
E, como todo hábito danoso e negativo, esse só será resolvido a partir de uma tomada de consciência seguida da firme intenção de buscar uma maneira mais ética e humana de agir a respeito.
Iniciativas de pessoas, que resolveram descruzar os braços e agir, podem servir como inspiração. É o caso de Luciana Chinaglia Quintão, fundadora da ONG Banco de alimentos. Essa Organização foi criada com o objetivo de acabar com o desperdício e, por conseguinte, com a fome. Para isso, realiza a chamada colheita urbana, por meio da qual alimentos em perfeito estado que seriam descartados como excedentes, em diversos estabelecimentos comerciais (restaurantes, padarias, sacolões, etc), são coletados e redistribuídos para diversas instituições. Também oferece palestras e oficinas que buscam conscientizar cidadãos e empresas sobre consumo sustentável.
Outro exemplo de atuação social muito bacana é a Gastromotiva, fundada pelo Chef David Hertz, uma instituição que trabalha a Gastronomia como forma de transformação social, e conta com uma rede de chefes de cozinha, empresários e até universidades engajadas com a proposta. Cria e oferece cursos de capacitação para jovens de baixa renda e pessoas em situação de vulnerabilidade social; programas de apoio para microempreendedores e formação de multiplicadores.
Sabe, em meio a esse mar de lama no qual nos vemos, rodeados por acontecimentos tenebrosos que nos roubam o sono e tiram da gente aquela paixão pelo nosso país, é uma injeção de ânimo saber que há gente que rema contra a maré e faz diferente, fazendo diferença na vida de tanta gente. Isso dá uma vontade danada de ir atrás de algum novo propósito, não é mesmo?
Afinal, você tem fome de quê? Estou certa de que não é apenas de coisas que enchem a barriga, sejam elas saudáveis ou gulodices. Porque é esse outro alimento que não se mastiga, mas se saboreia com a alma que é capaz de resgatar a nossa tão maltratada humanidade e nos abrir os olhos para as necessidades de outro alguém, além das nossas próprias.
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