Se você fosse uma planta, qual seria? Uma orquídea? Uma espada de São Jorge? Em tudo somos capazes de ver a nossa vida.  Quem de nós pensaria em ser uma plantinha miserável? Que importância nos damos e, ao mesmo tempo nos tiramos? Em tudo está a nossa vida, nosso reflexo, a nudez embaraçosa da alma.

Desde que tenho gatos, reduzi  a porção de natureza doméstica a dois vasinhos azuis que ficam no lado externo  da janela da área, totalmente inacessíveis à curiosidade felina. E completamente isolados, como que exilados.  Vez por outra passo os olhos por eles, e, agradeço imensamente à chuva por cuidar de provê-los com um pouco de água,  pois há tempos essa tarefa não aparece na minha lista diária de afazeres. Para ser sincera, até evito.  E olhe que sempre cumpro a lista de tarefas, não deixando uma sequer a realizar. Já a lista de vontades… Acho que inconscientemente coloquei a rega dos pobres vasinhos na lista de vontades.

Bem, apesar de não dar muita bola, tenho um carinho especial por esses dois sobreviventes – isso me faz pensar que fazemos do mesmo jeito com pessoas que gostamos mas não as colocamos num plano essencial na nossa vida. Vê-las de longe (ou sequer isso) já o suficiente para crer que tudo está bem.

Os moradores dos vasos são: No primeiro, uma planta da felicidade – nunca soube se o macho ou a fêmea, e um mini cactus comprado num micro vasinho em um supermercado. Ambos chegaram junto conosco, na época da mudança, e eu sempre gostei de associar o crescimento de um ou outro às fases da vida que estava passando. Obviamente torcia apaixonadamente pela planta da felicidade, tanto porque o cactus me remete sempre às duras decisões e lutas da vida. O fato é que o danado é muito maior do que a felicidade, que sobrevive, mas sempre com um toque de fragilidade, do tipo: – vou secar a qualquer minuto, ou – se eu morrer a culpa é sua, pois não me deu nutrientes. E nisso também acho que passa a nossa vida… No segundo vaso azul mora uma flor de maio, que chegou bem depois e era enorme, mas parecia estéril. Só depois de perder muito da sua beleza e imponência foi que veio a me presentear com algumas flores cor-de-rosa. Hoje,  com somente dois segmentos do que foi aquela planta toda no passado, ela me brinda em julho (não em maio, ela conquistou essa liberdade) com duas flores, em meio aos trevos que nasceram espontaneamente e tomaram o vaso por assalto. Trevos esses que nunca me atrevo a olhar demoradamente, porque se encontro um de quatro folhas,  creio que vou exigir da vida toda a sorte que ainda não tive, ou, se tive, não consegui perceber, pois estava ocupada demais olhando o jardim da vizinha, que, obviamente,  sempre pareceu muito mais interessante. Hoje, novamente as flores de maio-julho me colocaram de volta nos eixos. Meu jardim é lindo, assim como a vida que cultivo.  Mas pode melhorar! Hoje saio para comprar um regador!

(sim, tenho fotos dos vasinhos e das flores que apareceram hoje – registrar é preciso, mas elas são ansiosas e não se demoram em cena, logo se vão, assim como alguns planos e sonhos).

Emilia Freire

O CONTI outra agradece a autora pelo envio e autorização para publicação.

Emilia Freire

Administradora, dona de casa e da própria vida, gateira, escreve com muito prazer e pretende somente se (des)cobrir com palavras. As ditas, as escritas, as cantadas e até as caladas.

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