Por Adriana Vitória
Outro dia, depois de 6 horas de trabalho intenso no Rio, deixei minha filha por um momento na casa da tia enquanto finalizava minha última reunião.
Quando sai, marquei com ela em frente ao carro onde estacionamos, perto de onde a deixei.
Nesse meio tempo fui à farmácia logo em frente.
Quando entrava, vi um menino de rua sentado. Ele se levantou e tinha cerca de 1,80. Veio em minha direção e me pediu dez reais para comprar bala pra vender.
Naquele momento, de fato eu não tinha, mas disse a ele que quando trocasse o dinheiro lhe ajudaria.
A farmácia não tinha o que queria, então sai e ele estava bem ali, me esperando. Disse que tinha mais uma na outra esquina e me pediu para que o acompanhasse. Me senti um tanto acuada, talvez mais pelo seu tamanho. Apesar disso, ele tinha uma aparência frágil e desprotegida e estávamos no “baixo” Botafogo. Um bar atrás do outro, cinemas, livraria, gente pra todo lado. O máximo que poderia acontecer era, de fato, ele me roubar, mas mesmo assim resolvi confiar e lá fomos nós.
Fomos conversando e perguntei a ele se estudava. Me disse que não, tinha abandonado os estudos. Perguntei onde morava. Na favela do Alemão, uma das mais perigosas do Rio.
Que droga! Não sabia mais o que pensar. Chegamos na farmácia e ele correu pra fila pra segurar um lugar pra mim: Vem, tia! A fila é aqui !
O lugar estava cheio e todos olharam para o menino alto e maltrapilho. Uns com receio, outros com desdém.
Aquilo me incomodou profundamente e foi o que bastou. Peguei-o pelo braço e decidi sair pra trocar o dinheiro. Ele não entendeu nada. Troquei o dinheiro no primeiro bar e sai.
Olhei bem pra ele. Era um rapaz magrinho e bonito com uns 17 anos, mas mesmo com a vida toda pela frente, já carregava no rosto um olhar vazio.
Não resisti e perguntei porque alguém tão jovem como ele vendia bala. Ele me respondeu que mal sabia ler e escrever.
Fiz um discurso gigante tentando fazer com que ele entendesse que seu destino só dependia dele e da sua força de vontade (certamente um discurso mais para mim mesma do que para ele).
Na verdade, nem sei se acreditava no que falava enquanto me esforçava tentando mudar o destino daquele menino, ao mesmo tempo me via em seu lugar.
Me via vivendo em um barraco frio, com fome, medo, sem ter o que vestir, sem dinheiro pra nada, sem escola, sem uma família acolhedora, sem um governo que se interesse, sem saber porque nasci, sem nada.
Quanto mais imaginava, mais engasgada ia ficando.
Que sensação horrível!
Até que, subitamente, sem conseguir ver uma saída, perguntei:
Você tem uma religião? E ele olhou bem pra mim e respondeu:
Tenho Deus, serve? Então nós rimos.
Apertei sua mão, lhe dei o dinheiro e falei:
Então confia nele e acredite. Você pode mudar tudo e é o único que pode acreditar em você. Não desista! Ele me agradeceu e nos despedimos.
A esta altura, minha amiga estava me ligando enlouquecida porque minha filha não tinha me encontrado e eu não atendia o celular.
Voltei correndo pra buscá-la enquanto pensava…. Quantos Tiagos conseguirão chegar à maioridade? Eu não sei se o Tiago que cruzou o meu caminho conseguirá, mas prefiro acreditar que sim.
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