A zona de conforto não é um lugar de onde fugir. É onde todos desejam estar mas ninguém assume.

Negue. Pode negar. Negue que, vez em quando, tudo o que você quer é se sentir um pouquinho mais confortável na vida. Não precisa muito. Só um cadinho mais de aconchego neste mundo tão duro e aborrecido. Negue. Tem problema, não. Melhor engolir o discurso comum, engrossar o coro e negar o que você sente lá dentro para não fazer inimigos. Para que ser do contra, né?

É que o mundo inteiro adora culpar a tal zona de conforto por tudo. Atreva-se a pensar diferente e o mundo inteiro vai deixar você no vácuo. Melhor guardar esse sentimento estranho aí dentro. Melhor deixá-lo quietinho. Você sabe, ahh… você bem sabe que as coisas não são bem assim como dizem. Mas é melhor ninguém saber que você sabe.

Que ninguém nos ouça, mas eu não sei quem foi que inventou essa história de confundir conforto com estagnação, conformismo, preguiça, sujeição, imobilidade, servidão e toda sorte de adjetivos negativos. Por conta dessa invenção medonha o conforto virou pecado, sinônimo de preguiça, e “zona de conforto” virou o lugar onde só permanecem os fracos, os indecisos, os medrosos, os medíocres e os miseráveis. E dá-lhe generalização!

O sujeito não consegue mudar de emprego? É porque está preso em sua zona de conforto. O casamento vai mal e nenhum dos dois envolvidos toma uma atitude? Zona de conforto. A moça que sonha viajar pelo mundo recebeu uma proposta de emprego e desfez as malas? Maldita zona de conforto! Aquele seu parente desistiu de largar tudo e abrir uma barraca de suco na praia? Pobrezinho. Cedeu à tentação da zona de conforto e decidiu manter seu emprego de segunda a sexta.

Poderosa, essa zona de conforto! Gruda a gente no chão e não deixa ninguém voar. Provoca todos os nossos males, assassina nossos sonhos. Sacrifica nossa liberdade. É o que dizem aqui e ali a massa de gurus de recursos humanos, terapeutas, benzedeiras e afins.

Mas será que é isso mesmo?

Será que o sujeito que abandona o emprego “confortável” e sai de mochila nas costas rumo ao mundo o faz pensando em se sentir desconfortável? Ou será que o maior desconforto dele é justamente o emprego que ele decide largar?

Será verdade que um casal em processo de separação decide sair de sua zona de conforto, o casamento, porque a segurança e a estabilidade do lar não passam de uma chatice? Será que é porque não aguentam mais tanta felicidade conjugal, não suportam o conforto da boa convivência e então decidem buscar um pouco de dúvida e agonia e infelicidade na separação?

Ou será que, na verdade, o casamento falido, o amor desaparecido, a relação desgastada, os planos diferentes de um e outro, tudo isso se juntou e virou um desconforto total? Logo, a separação é nada senão uma tentativa honesta de buscar, de um lado e de outro, algum novo conforto na vida.

Pensando assim, a gente foge mesmo é da nossa “zona de desconforto”. E não o contrário. O que o mundo decidiu chamar de “zona de conforto”, então, não é o local de onde todos devemos sair. É o lugar onde todos desejamos estar!

Além do mais, não há um canto no espaço chamado “zona de conforto”. Há instantes confortáveis que a gente persegue e só conquista à custa de muito desconforto! É a sexta-feira esperada que só chega porque sobrevivemos aos outros dias da semana. São as férias que vêm como recompensa de tanto trabalho suado. É o sonho que só se concretiza depois de muita realidade. O conforto merecido a quem não tem medo do desconforto da vida.

Aquilo então que todos chamam de “zona de conforto” é só uma mentira, uma invenção, uma bobagem. Mas que ninguém nos ouça. Isso ninguém precisa saber.

André J. Gomes

Jornalista de formação, publicitário de ofício, professor por desafio e escritor por amor à causa.

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