Numa época em que várias pessoas defendem o retorno do regime militar, revisitar fatos cruéis da ditadura brasileira passa a ser uma necessidade.
Nada mais oportuno do que resgatar a história de Zuzu Angel. A mãe que travou uma guerra contra os militares para ter o corpo do seu filho, torturado e morto, embalado em seus braços. Que a lembrança desse episódio criminoso nos faça valorizar, cada dia mais, a democracia em nosso país.
A história da famosa estilista Zuleika Angel Jones e do seu filho Stuart Angel Jones é muito bem retratada no filme Zuzu Angel, dirigido por Sérgio Rezende, numa bela interpretação de Patrícia Pilar e de Daniel de Oliveira.
Personagem histórica do Brasil na época da ditadura, Zuzu foi uma empresária famosa do mundo da moda, reconhecida internacionalmente. Foi também mãe do militante de esquerda Stuart Angel Jones, preso, torturado e dado como desaparecido político no regime militar brasileiro.
Focada em sua vida profissional, a relação entre Zuzu e o filho era bastante conflituosa, pois Stuart rejeitava com ardor o fato de a mãe não se interessar por política, nem pela situação que vivia o país na época e, ainda, por ela costurar, até mesmo, para as mulheres dos generais.
Em 1971, a vida de ambos dá uma guinada. Stuart desaparece e Zuzu se transmuta na voz da mãe desesperada que deseja encontrar seu filho e, consequentemente, em mais uma voz contra as atrocidades da ditadura militar.
Stuart foi preso em 28 de setembro, no Rio de Janeiro. As torturas sofridas por ele foram contadas, em carta a Zuzu, pelo preso político Alex Polari de Alverga, que esteve detido na mesma unidade da Aeronáutica, na Base Aérea do Galeão. A carta narrava o seguinte:
“Em um momento retiraram o capuz e pude vê-lo sendo espancado depois de descido do pau-de-arara. Antes, à tarde, ouvi durante muito tempo um alvoroço no pátio do CISA. Havia barulho de carros sendo ligados, acelerações, gritos, e uma tosse constante de engasgo e que pude notar que se sucedia sempre às acelerações. Consegui com muito esforço olhar pela janela que ficava a uns dois metros do chão e me deparei com algo difícil de esquecer: junto a um sem número de torturadores, oficiais e soldados, Stuart, já com a pele semi-esfolada, era arrastado de um lado para outro do pátio, amarrado a uma viatura e, de quando em quando, obrigado, com a boca quase colada a uma descarga aberta, a aspirar gases tóxicos que eram expelidos.”
O filme mostra, de forma exemplar, a vida da personagem antes e depois do desaparecimento do filho. O desespero, mesclado com força e coragem, a fez enfrentar as autoridades da época com fúria, travando uma verdadeira batalha contra os militares em busca do paradeiro do filho. Batalha esta que cruzou as fronteiras e foi estampada em diversos jornais estrangeiros.
A luta de Zuzu terminou em 14 de abril de 1976, com sua morte em um “acidente” de carro. Uma semana antes, ela havia deixado com Chico Buarque um documento em que dizia: “se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho”.
Na cena final do filme, pode-se ouvir do carro de Zuzu a música de Chico Buarque, “Apesar de Você”, feita para criticar a ditadura. Neste momento, o militar que vai se certificar da sua morte, incomodado com o som, tenta desligar o toca-fitas, mas a música continua: “apesar de você, amanhã há de ser outro dia…”
Zuzu morreu sem velar o corpo do seu filho, que nunca foi encontrado. Chico Buarque, posteriormente, compôs “Angélica”, uma triste música em sua homenagem:
“Quem é essa mulher / que canta sempre esse estribilho / só queria embalar meu filho / que mora na escuridão do mar / Quem é essa mulher / que canta sempre esse lamento / só queria lembrar o tormento / que fez o meu filho suspirar / Quem é essa mulher / que canta sempre o mesmo arranjo / só queria agasalhar meu anjo / e deixar seu corpo descansar / Quem é essa mulher / que canta como dobra um sino / queria cantar por meu menino / que ele já não pode mais cantar”
A música “Angélica” descreve bem quem foi essa grande mulher. Uma mãe que só queria agasalhar seu anjo e deixar seu corpo descansar em paz.
Atualmente, existem comissões de familiares dos mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar do Brasil, cujo objetivo é divulgar as investigações sobre as mortes, a localização dos restos mortais das vítimas e identificar os responsáveis pelos crimes de tortura, homicídio e ocultação dos cadáveres de centenas de pessoas durante o regime que durou de 1964 a 1985.
São mães, pais, filhos e irmãos que ainda possuem a esperança de velar os restos mortais dos seus entes queridos, vítimas de um regime cruel e implacável que deve permanecer nas páginas cinzentas da história do Brasil para, assim, ensinar à juventude os valores preciosos da liberdade e da democracia.
Diante de toda a história que envolveu a ditadura, é espantoso e inacreditável ver, na televisão ou nas redes sociais, pessoas defendendo uma época que foi de trevas para povo brasileiro. É lamentável!
O filme de Rezende é de 2006, mas, diante da atual conjuntura, deveria ser revisto por todos aqueles que têm o despudor de levantar um cartaz pedindo a volta do regime militar.
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